sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

espero

Hoje ainda tinha espaço para o seu 'Feliz Natal' no meu coração. (Desejo de boas festas nunca são demais). Mas você não apareceu, tampouco sei onde está.
Espero que sua ceia tenha sido plena de coisas boas e que sua passagem para a meia noite tenha sido cheia de abraços e beijos de gente queridas.
Espero também que a vida não tarde em nos reunir novamente em um Natal qualquer, pra podermos brindar nossa história, nossos erros e acertos.
Te amo, pai. Feliz Natal. Nos vemos em breve, não?!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Quando o pai esquece o filho do primeiro casamento

"Um homem que se finge de burro é mais burro do que um burro honesto.

O que me dói é ver um pai casar de novo e esquecer o filho do primeiro casamento. Esquecer. Nenhum cartão de Natal ou presente debaixo da lareira.

É que ganhou um herdeiro do segundo casamento, está envolvido na escolha do enxoval, no anúncio do jornal, em fumar charuto com o sogro e com aquela vaidade suprema de ostentar para sua esposa que é experiente e sabe segurar a criança.

Ele apaga a casa anterior — com o que havia dentro dela — e se apega à casa recente. Entende que sua criança ou adolescente cresceu o suficiente para não depender mais dele. Nenhum filho cresce o suficiente para ser órfão de repente, não importa a idade.

Aquele filho a quem amava e criava com zelo, a quem aconselhava e trocava as fraldas passa a existir somente como uma pensão, uma linha do seu contracheque. Não pergunta. Não telefona. Não se encontra fora de hora. Está muito ocupado criando um bebê. O que dá para entender é que ele não ama o filho, mas a mulher com quem se encontra no momento. Faz qualquer coisa para agradá-la, inclusive negar a paternidade do primeiro casamento.

É do tipo ou tudo ou nada, ligado à figura masculina patriarcal, que oferece e tira conforme suas vantagens. Não é bem um pai, mas um latifundiário emocional, desconfiado, sob permanente ameaça de invasão de suas terras.

Mãe é diferente, sempre se elogia quando menciona seu filho. Mareja os olhos ao mexer na gaveta das camisas, coleciona bilhetes e desenhos, inventa uma porção de neologismos no abraço. Não se guarda para depois, para um melhor momento, está disposta a conversar pressentimentos e costurar recordações.

Pai costuma se omitir no momento do desabafo. É comedido demais para estar vivo. Troca de personalidade, de residência, de amor, o que precisar, no sentido de prevenir a sobrecarga de problemas. Para namorar, ele some por meses (exatamente o contrário da mãe, que administra o final de semana com o apoio da babá e da avó). Homem ainda não conseguiu conciliar sua vida profissional com a afetiva. Não é capaz de unir nem a vida afetiva pregressa com a vida afetiva atual. Cuida de um afeto por vez. Pai não forma sindicato, não cria associação. Continua defendendo que ninguém tem o direito de se meter na vida dele e converte em inimigos os amigos que insinuam sua indisposição filial.

Ele se separou de uma mulher, não do seu filho, mas culpa o filho porque não consegue completar uma frase com a ex. Parte do princípio de que ajudando o filho está ajudando a ex. Gostaria de matá-la, mas então se mata para o filho.

Ou entende que seu filho deve procurá-lo, cria paranoias e neuroses para aliviar sua culpa. Age como um ressentido, fala mal do filho do primeiro casamento para a mulher do segundo casamento, alegando ingratidão. E a mulher do segundo casamento concorda com o absurdo porque está preocupada com o nenê e deseja a exclusividade do marido. E não entende que um irmão depende do outro irmão, que uma família não cresce por empréstimos.

Homem tem que aprender a sofrer em público, sofrer por um filho o que sofre por uma dor de cotovelo, apanhar das cólicas e da coriza, desabar numa mesa de bar, beber interurbanos, fechar a rua e o sobrenome para encurtar distâncias, chorar nas apresentações escolares, fingir abandono a cada despedida, para só assim mostrar que pai, pai mesmo, nunca será dispensável".

Do Carpinejar aqui ó

--

Ps 1 - precisa falar mais alguma coisa?
Ps 2 - estou repensando esse blog, principalmente porque não quero mais ser essa pessoa de 2009.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

dois passos

1. Ligar o sorriso e a simpatia no piloto automático;
2. Viver apressadamente os próximos 3 dias.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

segredo de justiça

A semana foi pesada com dois ou três pianos para carregar nas costas e uns pares de incêndios para apagar. Resolveu um a um os quiproquós, fazendo os malabarismos necessários para cumprir todos os itens de sua lista de pendências. Tudo com menos pesar e sem descuidar do brilho nas bochechas.
E agora i-sso. Não deu tempo de ver de onde i-sso veio. ((Confessa, no entanto, que seu sorriso enlargueceu alguns centímetros)).
Desde então, não conseguia mais mirar um ponto único e dar a ele a atenção devida. Os olhos deitados no horizonte, preguiçosos, lentos, borboleteando pelo escritório. A memória caçava o fio que ficou perdido. Faltava uma peça. Não achou...
Ensaiou prestar atenção. Tinha que tentar, é corporativo. Respirou um ar profundo e buscou ordenar e concatenar a massa cinzenta. Mas tudo que via eram letrinhas embaralhadas de notícias policiais, em que os termos "segredo de justiça" e "foro privilegiado" estavam na moda. E na-da, nada no mar de incerteza. Não conseguiu se achar. E a busca tem que continuar?
Focou na palavra "segredo de justiça" da notícia. Esse era o s-eu segredo de justiça. E achou bonito.

domingo, 13 de dezembro de 2009

pingos nos is

Laura não é do tipo que muda radicalmente o corte de cabelo ou a cor do esmalte, nem é do tipo que varia ruas, amigos, namorado e intenções. É, sim, do tipo que fala facilmente com estranhos, buscando simpatia e oferecendo apreço de graça. É do tipo que se apaixona por pessoas que falam frases perfeitas, riem exageradamente e gostem de ouvir e falar na mesma medida.

Não é do tipo que dispensa guarda-chuva, mas entende quem os deixa de lado. É do tipo que fecha os olhos na montanha-russa, mas não esquece o arrepio que isso causa. É também do tipo que coloca almas em pedestais para se arriscar a desvendá-las e é do tipo que quer alcançar o céu para descobrir a textura das nuvens. Laura é do tipo que sofre com o desprezo e indiferença, mesmo quando eles vem de pessoas que mal sabem de onde ela veio, quem ela é.

Laura não é do tipo que se explique facilmente. É do tipo amorosamente complicada e longamente confusa e, com isso, é do tipo que perde tempo pensando e repensando decisões simples. Não é do tipo que chora para chamar a atenção, mas que chora por dar atenção demais às coisas doídas da vida. É do tipo que ama um bom domingo com aquela farofada em família. Mas não é do tipo que sai ilesa de um domingo nublado e sem as presenças ilustres de mãe, irmãs, avós e aquela trupe de onde ela saiu, gente da sua gente.

E hoje é domingo, está nublado lá fora e Laura está longe de casa... precisa dizer mais alguma coisa?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A cabeça dói, a crise está instalada no freguês, as pessoas estão presas no trânsito, a lista de livros só cresce e o tempo para lê-los só diminui, a grana tá curta e a saudade, grande.
Quando muita coisa ruim acontece junta, é sinal de que alguma coisa boa vai acontecer?

Diz que sim, diz que sim, diz que sim?!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

hoje o disco só tem um lado

Às vezes, sinto saudades sinceras e gordas de quando a gente usava os discos de música com lados A e B. Assim como os discos de vinil que o pai punha pra gente aos sábados à tarde, enquanto lavava o carro e o cão e engraxava seus sapatos. Eram tardes sabáticas em que era permitido fazer quase tudo: brincar, dançar, sapatear, girar a irmã mais nova pelo braço, pular sem chinelo na grama, subir o pé de não sei o quê do quintal... A mãe lá dentro cuidando da casa, a gente lá fora e uma nuvemzinha de felicidade genuína pairando em cima das nossas cabeças.

E aí acabava o lado A do disco e o pai me deixava trocar a bolacha de lado. Corria apressada até o som, parava e respirava diante do vinil ainda tentando entender como um treco redondo daqueles podia trazer tanta alegria para aquela casa. É que a mágica vespertina dos sábados só começava quando o 'on' do som era ligado pela mão de dedos quadrados do pai. Ouvíamos vários lados de vários discos e éramos felizes. Felizes de deixar os dentes brancos e as bochechas coradas.

Época boa, sensação boa. Um salve para essa capacidade doida de guardar histórias como essa! É o que me salva nesse momento.

--

ps 1 - Tô contando os segundos para que essa semana acabe e eu possa esquecer que ela existiu

ps 2 - Quero minha mãe!

ps 3 - Quero meu pai!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Faz alguns dias que a tenho notado apagada, quase triste. Isto, sim, a tristeza lhe cai bem. Afina seus traços, torna seus olhos melancólicos e a deixa mais jovem ainda"

Martín Santomé, de A Trégua, Mario Benedetti.

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E eu estou me apaixonando por esse livro.
prontofalei.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

pertinente

"Estarei ressequido? Sentimentalmente, digo"


Martín Santomé
personagem de Mario Benedetti em A Trégua

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

do dia

Daí que Laura sublinhou no seu diário ontem à noite: ter SEMPRE mais medo de palavra do que de gente. Porque gente pode até matar com arma, bala, violência etc, mas são mortes rápidas e com um final pontual, premeditado. Já a palavra aguda e doída, ao chegar no ouvido de alguém, fica tilintando na cabeça e causa dor de estômago, de coração, de fígado e afins. Não adianta tentar esquecer, explicar, mastigar e depois tentar engolir; tampouco adianta apagar o email atravessado ou o comentário que se ouve... Palavra assim cola no tímpano. Não tem médico que cura a dor que causa uma palavra dessas, bem afiada, daquelas que saem da língua de alguém como uma faca bem pontiaguda.
E então Laura decidiu começar seu dezembro mais esperta, crendo menos em palavras e mais em gente de verdade.

domingo, 29 de novembro de 2009

pra falar de amor




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"e porque leio romances e se vejo filmes de amor pra chorar e amar o amor que decidiram que eu devo querer pra mim"

-

Por que ver Arrufos, do grupo XIX de Teatro:
- porque a peça fala de amor e amor é universal
- porque a peça é de verdade, palpável, humana e o texto é sincero, simples e remexe com lembranças.
- porque eu tô dando 4 estrelinhas (embora Hysteria, também desse mesmo grupo, tenha recebido 5 estrelinhas e é top do repertório deles ainda)

ps - se você não gosta de teatro interativo, é melhor que não vá. Os atores fazem do público personagem de cada uma das cenas.



Arrufos
Local: Espaço dos Fofos (R. Adoniran Barbosa, 151)
Quando: Sex a dom: até 13/12
R$ 30 - justos e bem gastos pra falar de amor.


O que você tá esperando. Eu comprei o meu aqui ó

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

déjà vu

E daí que, hoje, enquanto eu dormia, uma gota de tristeza desobedeceu a gravidade e caiu em cima de mim. Despejou-se de um jeito bem forte no meu ombro e escorreu pra dentro do meu coração. Depois, levantei várias vezes do sono sentindo uma dor bem pesada rasgando meu peito, a boca seca, o sangue fervendo, o oxigênio sumindo de mim.
Abri a janela, mas não passou.
Andei pela casa, mas não passou.
Olhei no espelho e não passou.



Pra onde eu olho agora?

sábado, 21 de novembro de 2009

sábado 20h46

É... que eu já sei de cor qual o quê dos quais e poréns, dos afins -- pense bem ou não pense assim. Eu zanguei numa cisma, eu sei, tanta birra é pirraça e só, que essa teima era eu não vi e hesitei, fiz o pior.
--

Chorei.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

e se?

Imagine ter a resposta para todos os anseios? Imagine sofrer menos com a não-persistência de um sentimento bom? Imagine ouvir só o que se quer ouvir? Imagine importar-se menos com as coisas não ditas e com as atitudes não tomadas? Imagine ter certeza toda vez que se está indeciso com relação a alguém que, se pensa, especial? Imagine concentrar menos expectativas nas presenças e dar mais paciência às ausências?

É quando dá pra perceber que todo sofrimento é doído, mas é bonito., porque nos presenteia descobertas. E é quando se descobre que dá pra sorrir enquanto se encrava a unha nas palmas das próprias mãos e se tenta decifrar o "e se?"

Só resta respirar e cantar a melhor canção que se pode dedicar à ocasião.

E sou eu percebendo que tudo isso pode ser (ou foi?) apenas uma coisa passageira.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

do dia

Olhando para o acumulado de copos de café descartáveis no meu lixo, escolho levantar a cabeça que pende, com sono e agitada com o número exagerado de informações novas.
É porque, às vezes, cansa. Conhecer, ler, saber de tudo - cansa.
Daí que junto toda a preguiça dos meus ossos, pernas, mãos, cabelos e unhas e deixo pra lá. Decido concentrar pensamentos em algumas vontades bem especiais: a de que o feriado chegue logo, a de que o ano acabe logo, a de que o frio na barriga passe em breve, a de que o novo ano venha cheio de coisas boas.
Amém.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

eu carpinejo, e vc?

"Amor é quando a gente conta o que está acontecendo para todo mundo e o segredo nunca se esgota".
de @CARPINEJAR

Um verbo

Conjuga um verbo que conheças
no presente do indicativo,
soletra-o na segunda pessoa
do singular ao meu ouvido,
dá-me qualquer coisa
que me pareça eterno.

José Rui Teixeira

--

dá-me qualquer coisa que me pareça eterno...

(pausa para um suspiro)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

lacuna

Adorava clichês - mais que qualquer ser humano. Há dias imaginava o momento em que a paixão chegaria novamente e se sentaria ao seu lado, convidando-a para dançar, dar-lhe as mãos em um passeio inesquecível, levá-la para ver o mar, o céu, as estrelas. Mais de uma vez, a paixão esteve por perto, mas foi embora desavisada. Melhor assim? (Sofre com isso).
Sem sintoma aparente, conservou a esperança de que ainda vai revê-la de um jeito nada efêmero e ela vai despertar sua mente para todos os melhores clichês, preencher os vazios de seu coração e levá-la ao lugar dos que amam em qualquer lugar e hora.
Por isso, que viessem os encontros breves e inesquecíveis. Que viessem as mãos suadas pelo calor intermitente da pele, os joelhos trêmulos, a preocupação com a direção do olhar. A escolha da melhor frase, o cuidado em falar de passados e futuros, a palpitação do coração querendo pular pra fora antes do fim. Que fossem bem-vindos os beijos imediatos e intermináveis, os perfumes e os abraços milimetricamente esperados, os sorrisos por qualquer coisa dita, o despudor em sentir, o carinho com cada detalhe do dia, da roupa, do brilho nos olhos.

Mas permanecia uma lacuna.
Enquanto isso, ela mantem seu próprio caderno de clichês.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

um amor assim tão delicado

Quanto de abismo e amor existe nessa relação? Qual é a proporção? Nunca soube dizer. Por isso mesmo, minha mãe é um desses mistérios delicados de revelar. Eu já sabia que a amo incondicionalmente, claro. Mas posso dizer que tenho reforçado meu amor por essa mulher de cabelinhos negros e curtos, franjinhas cativantes, olhar mendigo de carinho e um abraço de acalmar tempestades.
Morar longe dela me deu mais paciência para desvendá-la, descobri-la, interpretá-la, admito. Quando ficamos próximas, como nesse final de semana, percebo o quanto, de fato, eu amo essa mulher. Amo de um amor de temperatura alta, cheio de graça e bom humor. Como todas as vezes em que nos encontramos, ela me abraçou, me perguntou se fui bem de viagem e me levou pra comer alguma coisa "porque não tinha almoçado e esse calor não é brincadeira, filha". Simples, assim. E eu a amo, de graça.

Ela tem a linda mania de me chamar de "minha filha". Não "filha", mas "minha filha" , como se fosse preciso reforçar que eu sou dela mesmo. Adoro essa mania.
Nesse final de semana, ela mal podia se conter por ter as três crias juntas, debaixo de sua asa recém-sarada, escondendo cicatrizes de um passado ainda tão recente, tão doído. Aliás, impressiona-me como seu sorriso fica mais largo quando estamos reunidas. Exibia-nos com paixão para todos. Em vários momentos, só fazia nos olhar atentamente, agradecendo a Deus por tanta felicidade de ter-nos ali e achando tudo mais lindo porque éramos 4 e não 3, 2 ou 1. E eu tenho cada vez mais facilidade em atender qualquer pedido dela, simplesmente porque ela é toda doação. Por que eu não seria também?
Agimos diferente em muitas situações, claro. Discutimos, divergimos como qualquer mãe e filha. Mas o que importa é que sua capacidade de se emocionar com pouco e sua sensibilidade para entender tudo com um olhar estão no meu DNA. Quem dera eu tivesse metade de suas fibras também, para dar conta do tranco que insiste em me manter alerta diariamente.
Chuva? Sol? Tempestade? Dúvidas? Dor de estômago? Por vezes, eu não sei como aliviar, mas ela sabe. A única certeza que tenho é que ela estará no horário combinado, na rodoviária, me esperando para me dar aquele abraço exagerado. E eu me sinto tão bem quando estou nos braços dela...

domingo, 8 de novembro de 2009

abre aspas

Por vezes, à beira-mar, no perpétuo movimento das águas e no eterno fugir do vento, sinto o desafio que a eternidade me lança. Pergunto-me então o que vem a ser o tempo, e descubro que não passa do consolo que nos resta por não durarmos sempre. Miserável consolo que só os Suíços enriquece…

Noites há, em que, sentado à lareira, no quarto mais resguardado de todos, sinto subitamente a morte cercar-me: no fogo, nos objectos pontiagudos que me rodeiam, no peso do tecto e na massa das paredes; na água, na neve, no calor, no meu sangue. Pergunto-me então o que vem a ser a nossa muito humana sensação de segurança, e percebo que não passa de um consolo para o facto de a morte ser o que há de mais próximo à vida. Pobre consolo, que não cessa de nos recordar o que desejaria fazer-nos esquecer!

Decido encher todas as minhas páginas em branco com as mais belas combinações de palavras que seja capaz de engendrar. E depois, porque quero assegurar-me que a vida não é absurda e não me encontro só sobre a terra, reúno todas num livro e ofereço-o ao mundo. Este, retribui-me com a riqueza, a glória e o silêncio. Mas não sei que fazer com este dinheiro nem que prazer tirar de contribuir para o progresso da literatura, pois só desejo o que jamais obterei — a certeza de que as minhas palavras tocaram o coração do mundo. É então que me pergunto o que vem a ser o meu talento, e descubro que não passa de urna forma de me consolar da solidão. Risível consolo — que apenas me torna cinco vezes mais pesada a solidão.

stig dagerman
a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer
versão de paula castro e josé daniel ribeiro
fenda edições
1989

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Eu sobrevivo e atinjo algum ponto, eu me apronto pro dia seguinte. Escovo os dentes, abro a porta da frente, evito a foto sobre a mesa e ninguém aqui vai notar que eu jamais serei a mesma...

minha herança...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

doença grave

Existe uma síndome do coração inquieto? Se sim, Laura a tem no grau máximo de cronicidade. O prognóstico é feito em qualquer hora do dia. Todas as manhãs, seu coração demora a acreditar que a saudade acumulada de ontem não passou. Às tardes, sofre com uma taquicardia absurda para que as horas passem mais rápido. De noite, junta as mãos no peito em vigília para que seu coração se aquiete, seu sangue sossegue nas veias e sua respiração recupere o fôlego.
E cai no sono tentando entender o que nenhum médico e nenhum exame físico conseguem compreender: a síndrome do coração inquieto - que chega e mansinho e ainda não tem cura.

e a trilha sonora de hoje é:

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

05/12/2006
From: pai
To: me
"Voce tem razão, muita coisa nesta vida passa, mas tem algumas (como a saudade) que fazem sofrer... Que tal conversarmos no domingo sobre isto e muito mais?
Te amo...
beijos"

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mal sabia ele o quanto saudade faz sofrer.

para minha irmã mais velha




I won't feel blue like I always do 'cause somewhere in the crowd there's you

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

coisas imediatas

- ouvir mais música, ver mais filmes, ler mais páginas por minuto;
- comer menos porcarias, dar menos importância ao que os outros pensam, reclamar menos;
- inspirar o preto e expirar o azul antes de estressar, filtrando coisas ruins, pessoas ruins, circunstâncias ruins;
- fazer exercícios físicos;
- controlar a ansiedade e o medo de ficar sozinha com ela;
- ajudar as irmãs e amigas em dificuldade;
- ser feliz até o coração dizer chega (que nem quando dançamos até o pé gritar "chega!");
- aproveitar as mudanças pra aprender a ser mais otimista;
- olhar o mundo com olhos encantados e coração disparado (sempre!).

Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

pára o mundo que quero descer também

E daí que abro o orkut e dou de cara com esse grito por misericórdia:

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Oi, Vê
Sabe quando o mundo quer te engolir com todas as coisas e todas as pessoas exigindo que você seja perfeita e agrade todo mundo???? Quero que o mundo pare pra eu descer. Cansei de brincar, me sinto esgotada, não tenho mais vontade de nada, de trabalhar, de fazer exercício, de sair com amigos, de ficar com a família. Não acho mais nada disso interessante!!!
Tem dias que quero ficar na cama com o meu nadismo! Nada pra fazer, sem nada pra pensar...
Parei para pensar no que já fiz de interessante na vida: NADAAAAA! Me sinto incapaz, sinto que meus sonhos são muito grandes. Não quero mais.
:(
é isso...

M.

--

Eu sei... eu sei.

Pára o mundo que quero descer


terça-feira, 27 de outubro de 2009

lembrete para alguém especial

Tenho por ela um carinho que não cabe no meu peito. Ela é alta, linda, doce e dona de um sorriso predador. Seus cabelos assumem sempre a forma de um camaleão, embora eu prefira a cor amarela da última vez em que a vi. Suas sardas deixaram de ser contáveis faz um tempo e sua capacidade de fazer amigos e captar os outros pelos olhos é imensa. Resumindo, ela é uma das minhas paixões.

Digamos que a vida já lhe reservou surpresas agradáveis e não tão agradáveis e, por isso, ela tende a achar que nada dá certo em sua vida e que existe uma conspiração para tirá-la do sério, deixá-la fraca e infeliz. Concordo que ela tem sido conduzida a situações de extremo limite, passando por coisas intensas e doídas -- como se estivesse sempre à prova e não estivesse conseguindo passar para outra fase da vida. Eu entendo, acredite. Todo mundo passa por isso, cada um de um jeito. Só que, como todas as pessoas especiais, ela está dentro do problema e não consegue enxergar a solução. Pois eu consigo.

O fato é que não se pontua uma escolha. Talvez a escolha de um livro, de uma balada, de um colega eventual, de uma roupa. Mas não se pontua uma escolha que nos conduz a escolhas definitivas. Por isso, eu a chacoalho para a vida e lhe aviso para que tenha cuidado com as escolhas vazias, com as circunstâncias e companhias que exigem atenção, com o sentimento momentâneo de euforia. Nem sempre essas coisas nos conduzem à felicidade duradoura. Tudo pode ser mais efêmero do que imaginamos.

E claro: nunca é demais lembrar-se de quem somos, de onde viemos, quais são nossas raízes, quem são nossos pais, irmãos e amigos de verdade. Preciso avisá-la que, munida de tudo isso, certamente ela não sentirá mais essa solidão quando está no meio de uma multidão e nem este vazio quando está cheia de coisas pra fazer.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Always read something that will make you look good if you die in the middle of it"
P. J. O'Rourke aqui

sábado, 24 de outubro de 2009

she's right

(Miss Bingley) "- I am all astonishment. How long has she been such a favourite? - and pray when am I to wish you joy?

(Mr. Darcy) - That is exactly the question which I expected you to ask. A lady's imagination is very rapid; it jumps from admiration to love, from love to matrimony in a moment. I knew you would be wishing me joy".

em Pride and Prejudice, Jane Austen

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quem já não se imaginou casada com o Brad Pitt e pensando em como ficaria o próprio nome com o sobrenome dele põe o dedo aqui...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

10 bons motivos pra levantar amanhã

1) Porque tem uma mãe linda, duas irmãs de sangue, uma porção de irmãos no afeto e uma tonelada de infinitas e gordas saudades.
2) Porque ainda pode mudar de profissião (why not?) e escolher ser nuvem, médica ou escritora.
3) Porque não perdeu manias de quando era criança como a de separar roupas, cadernos, carros e pessoas por cores (prefere tudo o que é verde ou azul -- mas disso não sabe o porquê).
4) Porque espera que consiga tornar os quiproquós mais fáceis de resolver sem ansiedade crônica.
5) Porque um dia vai rabiscar na parede suas frases preferidas, sem se preocupar com a sujeira e com ter que limpar tudo quando sair do apê.
6) Porque acredita que guardar tudo de bom (ontens, hoje e promessas de amanhãs) dentro de uma caixinha pode ajudá-la.
7) Porque tem medo de esquecer as lembranças ou perder as esperanças só de fechar os olhos.
8) Porque tem medo de ficar sozinha.
9) Porque espera que tudo seja perfeito.
10) Porque, mesmo que nada dê certo, pode voltar pra casa.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Julie & Julia & me

Minha vida sempre foi rodeada de projetos. E a de quem não é, certo? Os meus projetos de ler mais livros, de emagrecer, de viajar, de não implicar com essa ou aquela pessoa, de me cobrar menos etc. Mas, muitas vezes, esses projetos viraram verdadeiras lendas e não chegaram a sair do plano dos sonhos. Ou seja, continuo acumulando sequencias enormes de vontades e desejos só porque não dá pra parar, do contrário serei atropelada pelas circunstâncias atuais (trabalho, casa, aula, casa, trabalho...).

E daí que um dia cheguei na firma e tinha um livro na minha mesa. Eu tinha pedido emprestado porque precisava ler algo mais "água-com-açúcar-pra-alegrar-a-existência". Abandonei as linhas de Paixão Segundo GH (que me assusta porque já na introdução Clarice me diz: "prefiro que este livro seja lido só por pessoas com a alma muito preparada". oi?) e embarquei no Julie & Julia - 365 Dias, 564 Receitas e 1 Cozinha Apertada, com Meryl Streep (adoro!) e Amy Adams na capa. Eu já tinha ouvido falar dele e no começo achei meio água-com-açúcar mesmo. Mas não era isso que eu precisava? Então vamos...



Julie é uma jovem secretária americana, perto dos 30 anos, frustrada no trabalho e pressionada para ter “um filho antes que seja tarde”. Depois de várias crises existenciais a la Elizabert Gilbert (de Comer, Rezar e Amar), descobriu que podia dar um rumo à sua vida (será?) se tivesse um foco, um projeto independente. Ela resolve encarar o desafio de fazer todas as mais de 500 receitas de um clássico livro da cozinheira americana Julia Child no prazo de um ano. E vai publicando tudo em um blog, vendo a audiência crescer à medida que usa palavras simples e diretas pra falar de culinária francesa + as dificuldades e crises da vida. Ela cozinha para provar que é capaz. Capaz do que? -- deve ser sua pergunta... Capaz de ir contra as expectativas que a família, as pessoas e ela mesma depositam nela mesma.


Tá tá. No começo achei que a coisa ia descambar pra conversa de mulherzinha, na cozinha, desossando pato, cozinhando a lagosta enquanto engrossa a crise com o marido e com a própria misantropia. Mas essa impressão passou na página 2. Fiquei supresa ao me ver devorando a história, relendo trechos e, até (!), indo pra cozinha e tentando dar uma de Julie pra mim mesma, com uma receita ótima que tenho anotada num papelzinho. Aliás, foi bem sofrido terminar de ler, porque fiquei pensando no dia de amanhã, sem ter mais um capítulo daquela beleza pra desbravar no ônibus a caminho da faculdade. Cativante...



E é claro que o livro me fez lembrar de antigos projetos nos quais nem chego a pensar mais por causa da correria dos últimos tempos - a correria feita junto com mais de 17 milhões de pessoas nessa cidade maluca para atingir expectativas e superá-las sempre. (Isso sem contar o medo danado de errar e ficar pra trás). E nem sobra tempo pra cuidar de mim, da minha vida e do coração, de visitar minha família, responder os emails da Anne com a atenção devida, comer direiro e entrar na academia de vez!


E a satisfação? Boa pergunta... O que importa é cruzar o meio campo, driblar os zagueiros e fazer o gol, sem tempo de correr pro abraço, entende? Mas não quero terminar esse post de um jeito triste, porque hoje é sexta e eu tô indo pra Londrina ver minha família. Eu acredito e quero sempre acreditar que existem projetos que dão certo, sim. Pra ficarmos ainda na cozinha, o projeto de Julie deu mais que certo e virou blog. O blog virou livro. O livro virou filme (coming soon e não vejo a hora - prontofalei).


Só que a pergunta que continua não querendo calar é: o que Julie tem que eu não tenho? Sorte? Destino iluminado? Sacrifício? Paciência? (respostas para ferreira.verena@gmail.com). Por enquanto, prefiro pensar que Julie nada mais fez que buscar uma satisfação pessoal, mesmo no meio do caos que reina em nossas vidas de vez em quando. É fácil falar, ficar reclamando da vida e não correr atrás do prejuízo, néam, Verena?!


Fica aí a dica. Quem quiser ler um trecho do livro pode fazer aqui.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Quando Laura não vê estrelas no céu, ela se desespera até o último fio de cabelo. Ontem mesmo, buscou uma estrelinha que fosse na sua janela gigante da sala e não achou. Pensou que fosse um sinal, um sinal de que não teria estrelas no dia de amanhão, depois e depois e na vida também.
De fato, estava assustada com mudanças em sua vida e a falta de estrelas no céu lhe dizia que, apesar de um dia bonito poder pintar amanhã, a insegurança existia e estava sublinhada de negro bem forte. Sentia falta de ser amada e elogiada sem nada em troca. De ver o sol brilhar forte e o arco-íris com 7 cores facilmente visíveis. Pesou a falta das pessoas mais próximas, de abraços calorosos e beijos sinceros, palavras de incentivo verdadeiras, de segurança nos sentimentos das pessoas, de pisar sem ser em ovos com casca fina. Pensou em falar besteira sem medo do que os outros vão pensar, não escolher palavras, não ter vergonha de uma música ou filme que gosta e de expressões de sua terrinha. Queria não viver limitada às paredes grossas da obrigação, ao sorriso forçado para agradar um ou outro, as convenções criadas por pessoas com medo. Desejou não ter que fechar os ouvidos para coisas erradas e não poder berrar quando vê algo errado achando que isso vá ajeitar as coisas.
Sim. Laura vivia no mundo da lua. E, quando saiu, reagia como outra pessoa qualquer: cegava para as atitudes consideradas "corretas" e perdia o tino para lidar com a realidade. Mas, como outro ser qualquer, voltava à luz depois de uma boa noite de sono.
Boa noite então...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

vale a pena

Todo mundo leva o blog pro twitter. Eu trago o twitter pro meu blog.
Se você gosta de poesia e romance em conta-gotas, pega essa:


"Paguei a chuva pra fazer serenata em sua janela"

twitter de Fabricio Carpinejar

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

makes my heart beat fast...




Eu não sei o que essa música fez comigo que não me sai da cabeça. Será que é porque ela me faz lembrar de amor, carinho, beijinho na bochecha, nariz com nariz, cheirinho do perfume das irmãs e do talco da vó e brigadeiro de colher da tia Zeila?

Pode ser, pode ser... Mas a versão do filme My Sister's Keeper é ainda melhor - aqui. Fica aí a dica.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

luto que não acaba

Márcia estava no canto da sala com a cara abatida de quem tinha chorado um luto forte, pesado e doído. Todos que chegavam para a aula iam até lá e a cumprimentavam. Nem todos a conheciam bem, mas sentiam e solidarizaram com a dor de Márcia pelo pai falecido.

Laura ficou no outro canto da sala, tímida, receosa, medrosa. Fazia o que podia para não ter que ir até lá e compartilhar um abraço com a colega. Não que ela seja mal educada, nada disso. Só que Laura não queria correr o risco de desabar em lágrimas no ombro de Márcia por seu próprio luto, o luto de um pai vivo, um luto obrigatório que empurraram pra dentro de sua garganta sem que ela tivesse tempo de perguntar o porquê exato. Mas luto é assim, né? Acontece sem hora, nem explicação fácil e duradoura.

Pensou pensou pensou e resolveu ceder (e quem sabe provar a si mesma que era forte?!). Na hora do intervalo, chegou no pé do ouvido da colega de classe (não queria falar alto e gerar inúmeras caras de interrogações e, depois que ela se explicasse, não desejava ver aquelas caras de dó) e lhe disse que entendia a dor dela muito bem.

- "Ah... você perdeu seu pai, querida?", falou Márcia, sempre doce, compreensível. Uma dama até do alto de sua dor.

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(foi esse o espaço do silêncio de Laura, uma quietude semelhante ao que ela sente no coração toda vez que pensa na palavra pai).

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E, ao despencar de seu silêncio, Laura se deu conta de que seu luto seria definitivo, mesmo com o pai vivo, respirando por aí em algum canto com uma mulher moderna e siliconada e filhos menos indagadores que ela.

- Não, Marcia. Meu pai ainda tá vivo, mas ele assassinou o pai que ele foi antes. Aí preferiu esconder a culpa pelo crime embaixo de algum tapete da vida e, junto com a culpa, eu também fui empurrada pra fora da vida dele.


E daí que Laura notou que tem feito um luto doído quase que constantemente. Já tentou ressucitá-lo, mas não pense que é simples assim. O morto não quer ressurgir.

Anotou então no caderninho da sua cabeça: "preciso deixar o luto de lado e fazer uma bela cerimônia de enterro". Só assim pra gente guardar apenas o que foi bom.

Fez disso sua oração diária e ficou numa boa (ou pelo menos acreditou nisso).

sábado, 26 de setembro de 2009

"Dona Marina olhou para trás e viu o filho saindo de dentro da mata fechada. Largou o peixe na bacia de alumínio, lavou as mãos nas águas do rio, enxugou-as nas pernas da bermuda que usava e correu na direção de Júlio, que continuava andando, sem pressa. Após o beijo carinhoso e o abraço apertado da mãe, ele sentiu-se protegido. Estava, finalmente, livre do inferno que era aquela vida em Xambioá. Tentou conter-se, mas não conseguiu. Chorou copiosamente, com o rosto colado ao ombro esquerdo da mãe. Apertava a boca com força, numa tentativa vã de abafar seu pranto. Chorou tanto que se sentiu fraco. Ao ver o filho naquele estado, dona Marina desesperou-se. Ela nunca vira Júlio daquele jeito."

do livro O Nome da Morte - a história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas, de Klester Cavalcanti

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com certa semelhança com o momento em que chego na casa da mãe.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

o que eu tenho hoje

A saudade é meu peito dizendo que não dá mais e hoje descobri isso da forma mais chorosa possível. É que não sei por que nem de onde isso veio, mas hoje lembrei de quando eu (ainda pequena) admirava você falando palavras difíceis, palavras adultas nas rodas de conversas ou até mesmo comigo.
E eu sempre queria saber o que elas significavam, qual eram os sentidos. Queria saber de onde elas vinham e porque você as usava em uns lugares e em outros não. Era como se as aulas de português da escolinha não me fossem suficientes e, por isso, eu queria mais.
Foi quando você me deu um dicionário, não querendo que eu parasse de lhe perguntar, mas que eu descobrisse sozinha o poder das letras, sílabas e palavras sempre que uma dúvida pipocasse na ponta da minha língua. O dicionário era pequeno como eu e já andava meio batido porque você o guardava no escritório. Imaginei que fosse de lá que você tirava aquelas letras adultas e lindamente sonoras. Adorei o presente e, com ele, eu fantasiava ainda mais o dia em que eu saberia o significado de todas as palavras do mundo, quando eu cresceria e poderia usá-las sem ter que abrir o caderno, como você fazia e (acho que ainda) faz.
E hoje eu tenho a maioria das palavras guardadas na cabeça, um monte de saudades guardadas no meu peito e ainda tenho aquele dicionário (junto com seu livro secreto de poesias que não deram certo) que você me deu.
Mas eu não tenho você... Entende?

falar demais pra fugir

"Por qualquer caminho que se possa pensar, me parece que o silêncio soa ameaçador. Em parte pelo que ele pode dizer sobre nós. Enchemos nossa vida de barulho, da mesma forma que atulhamos nossos dias de tarefas, com medo do vazio. Tarefas em uma agenda cheia constituem outro tipo de ruído. E o vazio também é uma forma de silêncio".

A coluna da Eliane Brum vem me inspirando já faz algum tempo... Ai ai. Vale a pena ler tudinho aqui .

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"Deus que me perdoe, mas Ele poderia ter caprichado mais em algumas pessoas!"

da peça A Alma Boa de Setsuan, de Brecht, em cartaz no Tuca e temporada popular!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

3 passos...

... para bater a tristeza pra fora do peito quando ela insiste em deixar seus ombros e semblante cabisbaixos:

1. Vá à livraria mais próxima, compre um livro (se não tiver dinheiro, escolha qual você comprará quando cair o pagamento) e coma um doce. "Vai te fazer bem" - by Laris.

2. Se estiver no trabalho ou na aula, não exite em colocar braços pra cima e espreguiçar bem, separando vértebra por vértebra até elas se descolarem umas das outras. É essencial que você não se importe com o que vão pensar de você - não só quando espreguiçar, mas sempre.

3. Quando pegar um ônibus ou quando for caminhar até algum lugar, ligue seu iPod na música mais animada da playlist. Deixe seus ombros se embalarem com a canção e, se necessário, não tenha vergonha de cantar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

divorciar coisas boas das ruins

Ontem vi uma cena que me chocou. Não porque tinha drama, lágrimas ou desespero, mas porque NÃO tinha drama, lágrimas e desespero.
Um homem de 37 anos com cabelos já se despedindo da cabeça, bigode farto e com cara de bem-sucedido na vida estava ligado a uma máquina de diálise - sim, aquele aparelho que a faz a função dos rins quando eles estão capengas e doentes. Os fios (já completos de sangue) daquela geringonça se enrolavam em seu braço até chegar a uma fístula, uma mini-maquininha que é colocada dentro do braço das pessoas pra facilitar o trabalho da máquina maior. Uma agulha gigante que, só de lembrar me causa tremedeira, vai até dentro da veia e tira tudo que é sujo e que já não combina mais com o sangue. Faz o divórcio do sangue e da sujeira - uma separação sem traumas. É uma rotina de 3 a 4 horas diárias, 3 vezes na semana - ritual sagrado sem o qual não dá praquele homem viver.
Não sei você, mas sempre imaginei um cenário desolador para uma cena dessas. Horas presa a uma máquina e a uma agulha ao lado de gente doente? É de dar medo... E o medo é uma casa aonde nin-guém vai. Mas não. O homem da minha cena estava tranquilo, lendo um exemplar do Valor de cabo a rabo e, eventualmente, checando mensagens em um celular moderno. Ou seja, o mundo estava prestes a cair do seu lado, com pessoas de semblante baixo, bandejinhas de remédios, cores de hospital e enfermeiros a mil... e o homem sequer se abalava, imerso num mundo que ele criou para aguentar o tranco das agulhas gigantes e do tal divórcio sanguíneo. Quando acabou seu ritual, se levantou, colocou o celular no bolso, dobrou o jornal e partiu com um sorriso de canto de boca de "missão cumprida - vamos em frente". E daí que me choquei com a falta de drama do homem, apesar das agulhas, do cenário e tudo o mais.
E eu achando que meus problemas eram imensos e irresolvíveis a ponto de pensar que nunca seria capaz de divorciar coisas boas e ruins. Se ele consegue sair sorrindo de uma sessão de hemodiálise, pronto para um dia de trabalho, por que eu não posso sorrir mesmo quando estou com problemas? Não conheço o malandro, mas ele me apontou que tudo vai dar certo. E o melhor: pelo menos eu não tenho uma agulha no meu braço!!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

como a lua

Ajeitando os livros na prateleira nova de seu quarto, Laura deixou cair de sua mão um exemplar especial, que lia sempre em outros tempos. De dentro dele, voou um marcador colorido e, na página onde ele estava, havia um trecho do poema preferido da menina Laura de anos atrás assinalado com lápis:

"E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."

De Cecília Meireles, trecho de "Lua Adversa", em Flor de Poemas


E Laura se deu conta de que os poemas nunca perdem a atualidade, o gosto de agora, o cheiro do presente, por mais que a gente cresça!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

quem concorda põe o dedo aqui...

"O utilitarismo quase sempre ama a mediocridade intelectual. Falemos a verdade: a mediocridade funciona. Ela gera lealdades, produz resultados em massa, convive bem com a estatística, evita grandes ideias. Enfim, caminha bem entre pessoas acuadas pela demanda de sobreviver"

Luiz Felipe Pondé, FSP 14/09/09, em artigo "Um relatório para Academia".

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

a rotina

Ela estava só o pó. O dia passou a forceps, como o pozinho de uma ampulheta. Ao longo das horas, apesar do escritório ser grande e arejado, ela se sentia entre paredes de aço, num quadrado sem ar e sem esperança. Sentiu frio, calor, medo, frio de novo. Não se sentia uma analista e sim uma barata (como a de Kafka ou aquela da paixão segundo GH) depois de falar e falar e falar novamente para o cliente que aquilo não seria adequado, que era perda de dinheiro e certeza de insucesso. Foi esmagada. Por que as pessoas insistem nos erros, teimam em bater a cara de frente com um muro? Qual é a dificuldade de entender? Gastou saliva à toa, claro. E o chão lhe faltou, assim como o ar, a paciência, a cabeça no lugar, o bom senso corporativo.
À tarde suas sombrancelhas cerraram-se, o coração parecia que tinha parado de bater, mas não parou - se parasse, na verdade, não seria má ideia, porque a levariam dali. Não aguentava mais a baboseira toda e não tinha uma porta de emergência ao alcance.
Queria fugir, sim, mas o problema era mais profundo: ela não sabia pra onde. Um misto de melancolia e vontade de jogar tudo pro alto pra fazer algo que realmente lhe traria algo efetivo ou algo que não lhe faria pensar pensar pensar. Quem sabe ser astronauta e ficar sozinha lá no espaço? Ou ser babá só pra ter clientes que não sabem falar direito? E se ela se tornasse redatora de horóscopos? Motorista de táxi? Professora de digitação?
Tentou explicar pra alguns colegas o que sentia, mas falhou. Ninguém tinha o mesmo parafuso (ou a falta dele) que ela e ninguém podia entendê-la. Mas, como tudo que começa termina, o dia acabou e ela pegou o ônibus pra casa. Não pôde mais segurar e chorou. No ônibus lotado, o ombro de um homem bem alto estava perto de seu rosto. Ela precisava de um ombro e pensou em emprestar o dele. Mas achou melhor não. Chegou em casa sem olhar pros lados, lá não tinha ombros, mas tinha seu travesseiro. Deitou, enquanto ainda escorria uma última lagriminha de desespero.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

mais uma prece

Eu queria que todas as minhas ilusões não estivessem perdidas, assim como as esperanças de conhecer um ser humano mais honesto, sensível e deslumbrante. Queria relar no sol sem queimar a mão, não ter medo de vender meu peixe sem que os outros achem algo de mim, nem de expressar tudo o que explode peito afora. Queria sentar com Deus e perguntar a Ele a verdade sobre algumas verdades. Queria poder dizer para algumas pessoas o que há de errado, ser menos corporativa e mais sincera com todos, pra tentar deixar tudo em pratos limpos. Queria não jogar tinta nos planos que fiz no passado, não me arrepender de coisas que disse, fiz e faria. Queria não me machucar sempre que caio e não poupar palavras pra dizer o que sinto, e não me magoar tanto sempre que um alguém pisar (in)diretamente em minha honestidade. Queria ver menos coisas erradas e ter mais atitudes decisivas quando as vejo. Queria ler mais livros e ouvir mais músicas ao invés de passar horas no trânsito sem ânimo e infeliz, ou no trabalho que, muitas vezes, me deixa travada, longe da criatividade e da felicidade. Queria sorrir sem medo e ter a certeza de que vou ter um sorriso de volta sempre. Acima de tudo, queria que você fosse sincero e olhasse nos meus olhos pra dizer que tudo o que vivemos foi em vão, que você não me ama e que não espera nada de mim.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

- Dona Vereda (!?), sabia que isso aqui já foi tudo muito chique?! Parecia o Morumbi - disse o taxista enquanto passava por uma das ruas feias e estreitas do Jaguaré, naquele calor insuportável.

- É mesmo? Mas é tudo tão feio hoje... - respondi desatenta ao que se passava.

- É... as coisas sem-pre mudam pra melhor ou pra pior, mas sempre mudam. - Falou me chacoalhando por dentro e me fazendo pensar.

domingo, 30 de agosto de 2009

a arte de se acostumar

A gente se acostuma a ler o jornal no ônibus para não perder tempo. A gente se acostuma a não tomar café da manhã para dormir mais dez minutinhos. A gente se acostuma a ir até a área de serviço para estender uma roupa e não olhar pela janela para apreciar a vista mesmo quando é uma vista simples. A gente se acostuma a dar bom dia sem sorrir e olhar pras pessoas, porque precisamos ligar o computador logo e responder aquele email logo. A gente se acostuma a não prestar atenção quando falam com a gente, porque temos que terminar aquele texto e não podemos parar um minuto.
A gente se acostuma a ganhar pouco por nosso trabalho que só aumenta. A gente se acostuma a fazer um trabalho que já não nos deixa com aquele brilho nos olhos, só porque precisamos da grana. A gente se acostuma a tomar bronca de cliente quando estamos certos e não podemos reclamar porque ele é o cliente.
A gente se acostuma a ir de elevador, porque escada cansa. Se a praia está suja, nos acostumamos a molhar apenas a pontinha dos pés. Se o tempo está feio lá fora, a gente se acostuma a ficar em casa, porque não tomamos mais banhos de chuvas como antigamente. A gente se acostuma a pagar muito pelas coisas por estarmos na "cidade grande". A gente se acostuma a comer rápido aos sábados e domingos também. A gente se acostuma a não ter paciência na fila do supermercado de domingo - mas é domingo, porra! A gente se acostuma a comer mal só porque aquela comida boa demora pra ser feita, suja louça. A gente se acostuma a tomar refrigerante porque aquele suco de maracujá preferido dá trabalho de ser feito. A gente se acostuma a ver guerra e sangue nos noticiários, sem nos perguntarmos o porquê de tudo aquilo - e a gente se acostuma a tachar de chato quem fica se perguntando sobre isso.
A gente se acostuma a não olhar as pessoas nos olhos pra não ter que enfrentar um ou outro sentimento. A gente se acostuma a achar que é clichê falar de amor e achamos demodê uma pessoa que fala sobre ele aos quatro ventos. A gente se acostuma a amassar feridas, brigas, rancores pra dentro do coração pra não ter que encará-los sempre. A gente se acostuma a conviver com farpas que trocamos com os outros. A gente se acostuma às pessoas que têm inveja da gente, sem buscar respostas pra um sentimento tão solitário, sem tentar resolver e esclarecer as coisas. A gente se acostuma a falar mal dos outros, mas não podemos nos olhar de dentro e ver o que está de errado com a gente. A gente se acostuma a afastar alguns sonhos pro canto da sala pra não termos que trombar com eles sempre.
A gente se acostuma a se acostumar com tudo isso, sem nos perguntarmos para onde vamos... A gente se acostuma, a gente se acostuma...

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

do dia

"Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor, cadêêêê você?
Eu acordei, não tem ninguém ao lado".

Adriana Calcanhoto

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Ps 1 - Ontem pensei em você, enquanto uma lágrima escorria sobre uma foto nossa juntos.
Ps 2 - Onde tudo isso vai dar?
Ps 3 - Queria ir embora de mim a pé, mas não consigo. Oi?

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

"La gran literatura está para clavarse en nosotros, lectores, como un puñal en la barriga, no para adormecernos como si estuviéramos en un fumadero de opio y el mundo fuera pura fantasía"

Pilar del Río, sobre o novo livro de Saramago, Caín, que será lançado em outubro.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Laura tem o vício de livrarias. Sempre que pode, dá uma escapulida pro outro lado da rua onde trabalha, na livraria que tem cara de supermercado de livros. Vai, exclusivamente, para folhear, sentir o cheio de gente mexendo com os livros, observar os olhos de quem engole linhas e linhas de texto de uma vez, mirar toda aquela imensidão de letras e vírgulas e parágrafos e pontos que poderiam dar várias voltas ao mundo se colocados lado a lado.
Gosta de exercer seu vício de preferência com nenhuma ou quase nenhuma companhia ao seu lado. Na verdade, a companhia ideal é o ambiente, a luz baixa, a estante cheia e, com sorte, um sofá que aconchegue sua vontade de sumir no mundo raptada por palavras. Sozinha, Laura tem um silêncio que ajuda a tornar o vício ainda mais excitante, mais revelador.
Faz pouco tempo, ela pegou a irresistível mania de ler dois capítulos de um livro a cada nova escapulida. Chega, retoma o livro de ontem, encontra a página onde parou e esquece o mundo ao redor. Quando acaba um, já elege o sucessor e assim vai. A vontade de engolir tudo o que pode de romances, poesias e histórias é tão grande que Laura já leu muitos exemplares. Termina um, começa outro e assim por diante.
Nessa rotina que não tem nada de rotina, Laura só pensa em um dia poder morar dentro de uma livraria, casar dentro de uma livraria, educar seus filhos dentro de uma livraria. E só pensa em como isso seria bonito.


Um vício de encher os olhos

sábado, 22 de agosto de 2009

Lembra de quando, no inverno, você esquentava nossa cama com o ferro antes da gente deitar, só pra não termos que dormir na cama gelada? E do medo que eu tive quando você machucou a mão com a panela de arroz e ficamos na casa do vizinho enquanto você foi para o hospital? E de quando eu te liguei ansiosa porque ia viajar sozinha pra Nova York e você me disse que "cidades grandes são para mulheres grandes" e que era pra eu não ter medo de nada que tudo ia ficar bem?
Agora o tempo te dá mais uma primavera e todas essas lembranças apareceram com mais força... E, mesmo em anos de convivência, ainda me impressiono com a capacidade que esse tempo tem de te deixar ainda mais bonita. Você e sua elegância de mulher, seu cheiro característico, sua força pra transformar os problemas em uma coisa menos doída de se levar apesar dos pesares...
E hoje eu só quero que você seja feliz, porque, se você for, eu também serei sempre! Feliz aniversário, mãe. Te amo sem caber de imaginar, até o fim raiar.
Sua filha "paulistana"

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

a perseguição das orquídeas

Sim. Não sei o porquê, mas orquídeas estão me perseguindo hoje.
A caminho do trabalho, no ônibus cheio de pessoas sonolentas, um homem caminhava pelo corredor para garantir que nenhuma pessoa machucasse as pétalas brancas e lilases das orquídeas que desfilavam em três caixas com selos de Holambra. Achei interessante vê-las desfilando pomposas rumo à Paulista, com um certo gingado dos talos que fazia sambar as pétalas. Não sei para onde ele as conduzia, mas elas me ajudaram a lembrar que tem coisas lindas na vida, mesmo no meio do caos que é isso aqui.
A segunda visão foi na esquina do metrô Consolação. Enquanto atravessava a rua, um homem segurava uma orquídea branca em uma embalagem amarela, toda preparada para presente com um cartaozinho que, suponho, carregava muitas palavras bonitas endereçadas a alguém. E, novamente, a flor desfilava pra mim, elegante, exótica. Mas isso não tinha sido suficiente para eu perceber que estava sendo perseguida. Durou pouco tempo.
Agorinha, no telefone, vi a moça da limpeza trabalho passar no corredor com um vaso lindo na mão. E o que tinha plantado lá? Uma única orquídea branca que agora se exibe na entrada da empresa, saudando todas as pessoas que entram ou se vão.

O que será que isso quer dizer?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Acredito ainda nas mesmas coisas. Ainda acho que a dignidade do homem é inseparável das intenções e dos fins a que ele se propõe. Só que, entre as intenções e os fins, quase sempre temos de passar por uma série de mal-entendidos".

do livro Campeões do Mundo de Dias Gomes

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Malditos mal-entendidos!

terça-feira, 18 de agosto de 2009

"Um espírito doce e ao mesmo tempo maligno palpitava na delicada forma de suas pernas, de seus braços, de seus seios suaves. Uma inteligência sutil e diluída na cálida superfície da pele perfeita. Algo que nunca transparecia em seus olhos. Aquele apelo do espírito que nos atrai nas pessoas excepcionais, nas obras de arte".

Personagem de Andreia em Nada, de Carmen Laforet

rain drops

Hoje o dia nasceu chorando e, enquanto as gotinhas de chuva brincavam na minha janela, algumas lembranças voltaram a escorrer sobre mim. E eu, deitada e amanhecendo, pensei no dia chuvoso que você me deixou ficar em casa ao invés de ir pra escola. Entrou no quarto, me beijou, passou seus dedos de pontas quadradas pela minha testa, varrendo minha franja dali, me perguntou se estava melhor. É que eu tinha tido um pesadelo e tinha acordado com um choro ofegante pulando da minha garganta.
Só que hoje em dia, quando o dia pipoca chuvoso depois de um pesadelo (como hoje), não tem você pra me dizer pra ficar na cama, não tem essa compreensão delicada, não tem nada. Tenho, sim, que ir trabalhar, viver, sem ter tempo pra consolar o dia choroso.
E ainda não deu pra parar de doer isso. Mas em breve... quem sabe?


rain drops

domingo, 16 de agosto de 2009

prece por nós

E o tempo marcou mais uma primavera pra você. E eu passei o dia com o olhar perdido por aí, procurando alguma coisa que não sabia onde estava.
Não senti vontade de comer, sair, beber, me divertir. Mas também não quis te ligar e não deixei escorrer sequer uma lágrima.
Tenho medo de estar perdendo as nossas boas memórias e a vontade de te reencontrar... Me ajuda, Deus.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

"De repente ela percebeu que o amor era o instante em que o coração fica a ponto de explodir".

Lisbeth Salander, em Os Homens que Não Amavam as Mulheres, de Stieg Larsson

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Quando eu me pergunto se você existe mesmo, amor
Entro logo em órbita do espaço de mim mesmo, amor
Será que por acaso a flor sabe que é flor
E a estrela Vênus sabe ao menos porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber, porque é bom morar no azul, amor
Mas você, sei lá, você é uma mulher
Sim, você é linda porque é

Vinícius de Moraes e Baden Powell

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Eles realmente sabiam como encantar uma mulher...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Minha vontade é a de tirar a roupa das palavras, deixá-las nuas, distantes de qualquer lenga-lenga. Gritar pra todo mundo ouvir umas e outras verdades e dizer que, antes de mais nada, quero uma felicidade de deixar os dentes brancos. Assim, quem sabe, essa sensação de que meu coração vai explodir não some?

Respostas para: ferreira.verena@gmail.com

Obrigada,

domingo, 9 de agosto de 2009

carta de um ex-pai

Hoje amanheci com aquele amargo no meu sangue, um azedume que tenho tentado evitar. É que hoje é dia dos pais. De pais que amam seus filhos; pais que não só os assistem crescerem, mas que participam de suas vidas, mesmo que de longe, apontando caminhos quando o assunto é queda. Tem também os pais que se vão por motivos, muitas vezes, inexplicáveis - alguns partem e deixam feridas grossas e doídas; outros têm tempo de ensinar algo precioso e deixam esta vida com a missão cumprida. E há pais com eu: vazios, insensíveis e incapazes de exercer essa tarefa que a vida lhes deu.
É que eu decidi, simplesmente, não ser mais pai de ninguém. Ordenei aos meus filhos que ficassem longe de mim o suficiente para que eu pudesse ter outra vida. Deixei-os ao deus dará, escurracei-os de mim. Sou um ex-pai.
Não me julguem, não sou uma pessoa má. Eu apenas não sei o que fazer com o amor que eles me oferecem. Não tenho a receita de como usar o carinho que querem me dar. Não me sinto capaz de protegê-los o guiá-los quando me pedem ajuda. Não não não. E, com os anos, fui me tornando cada vez mais amargo e duro de roer. Nem o amor deles foi capaz de impedir que eu me transformasse nisso que sou hoje.
Depois de pedir a retirada de todos que eu julgava necessários, apostei minhas fichas em uma nova espécie de família. A vantagem é que essa nova família só sabe do meu passado aquilo que eu contei, com ajustes mais do que precisos. E essa minha nova família me satisfaz.
Só que, mesmo assim, continuo com um gosto acre na boca, quando em dias especiais me pego pensando em tudo que estou perdendo da vida dos meus filhos. É um azedo que sobe pela garganta e não deixa nem passar o café da manhã. Mas acho que é melhor assim...
Só sei que eu não queria existir em mais este dia dos pais.
Definitivamente eu não mereço ser chamado de pai.
** Qualquer semelhança é mera coincidência.
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Eu diria que as memórias são a melhor coisa que temos na vida. Elas não podem ser arrancadas ou queimadas da nossa cabeça. Ufa! Por isso, pai, onde você estiver agora, saiba que te amo!
A memória cola fragmentos de várias porcelanas no mesmo vaso
Drummond

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sei, que o vento que entortou a flor passou também por nosso lar e foi você quem desviou com golpes de pincel.

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Sei que a saudade de você me dói.

sábado, 1 de agosto de 2009

Mais uma vez acordei com a Saudade de Você me chamando. Ela gritava memórias de nós dois enquanto cheirava flores que plantamos no passado juntos. Ela gritava com urgência e seus gritos fizeram acordar meu amor por você - um amor que tenho tentado manter apagado pra não me machucar.
E agora, acordado, esse sentimento quer me convencer a ir atrás de você e dizer que eu te amo mais que todas as minhas músicas preferidas e mais que as fotos que guardo na segunda gaveta do armário.
Todo final de semana sozinha, acampada na sala, é assim. E eu fico torcendo pra que o tempo passe logo e esse dia-dói-dia-passa acabe logo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

de quando voltei de férias

Estava fingindo que não era com ela. Preferia não criar a ilusão de que tudo aquilo era seu pra depois descobrir que não. Acontece que não era a primeira vez que reparava: por onde passava, a quantidade de estrelas em cima da sua cabeça era maior do que em cima da cabeça de outras pessoas e a lua estava mais próxima dela. Foi assim quando chegou à padaria logo depois do entardecer, quando chegou à casa dos avós para devorar aquele jantar suculento, quando saiu do bar com os amigos e entrou na conveniência pra matar a fome da madrugada. Em todos os lugares da cidadezinha, ela tinha a impressão de que seu cérebro estava grávido de estrelas e que o luar era seu parente. A sensação devia ser justificada por sua falta de grandes preocupações dos últimos dias? É que andava com a cabeça distante, flutuante, reticente e os neurônios se permitiam brincar com seus pensamentos, colocando-os de pernas para o ar e fazendo farra com eles. Para isso os humanos deram o nome de férias...

Aí voltou à realidade dos dias normais, nublados e trabalhosos de São Paulo, cheios de gorduras trans da comida congelada e do café de máquina, buzinas, falta de paciência e excesso de medo. Sentiu que aquela tranquilidade que fazia seus pensamentos brincarem se esvaiu dia a dia, conforme o telefone tocava ou seus dedos teclavam. E teve um aborto espontâneo daquela farra das estrelas e da lua em cima de sua cabeça.

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Parte coração - de Pedro Luis

Parte coração, aprende que tua missão nessa vida é sofrer
Pobre coração, dói no fundo do peito
Dizendo que existe, mostrando que insiste em sofrer, em sofrer

Chore e bate mais forte e às vezes mais manso
que eu mesmo não canso de me apaixonar

Bata e se dê o direito de gostar de alguém que eu dou um jeito de gostar também
Sou teu companheiro até no sofrer
Mas vê se de vez em quando em vez de chorar você ri um pouco que é pra compensar toda essa tristeza que é de nós dois

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Precisa cantar mais alguma coisa?

sexta-feira, 3 de julho de 2009

poucas coisas na vida valem a imagem do dia de hoje - o sol colando e sumindo no oceano pacifico.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Se Buenos Aires parece um quadro pintado com predominancia azul, Santiago escorrega para um amarelo misturado com o branco.
Se Buenos Aires é gelada, Santiago é muito mais, de um jeito que nos faz dormir com mais roupas que o normal e sonhando com um chocolate quente.
Se Buenos Aires tem o Obelisco e a Casa Rosada que nos espiam e nos cercam por todas as principais ruas, Santiago tem a Cordilheira que forma um paredao de frio a nos mirar e faz sair das nossas bocas aquela fumacinha gelada.
Se Buenos Aires tem o tango pra esquentar os coraçoes de quem desfila pelas ruas, Santiago tem as pessoas que sao amaveis e simpaticas.

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terça-feira, 23 de junho de 2009

mala inteligente

- Escolha e separe as roupas por cores. Cada cor faz você se sentir de um jeito. O vermelho esquenta mais que o azul e o verde te deixa mais alegre nas fotos, sempre. O amarelo aumenta a luz do seu rosto e o preto, além de emagrecer, alonga os braços. Branco não deixa a gente errar nunca e dá aquela paz pra sair nas fotos com cara de quem está aproveitando cada momento. Nada de listras - elas lembram uniforme de hospitais. E você não vai querer parecer um paciente terminal nas suas férias, né?
- Eleger os sapatos quando a mala não é muito grande exige sabedoria. Você pode se arrepender de forma doída se jogar na mala o par errado. É que nem fazemos com a vida e os relacionamento: às vezes, é mais certo ter o confortável por perto do que contar com o descolado que pode machucar feio.
- Reserve o espaço para boas doses de ânimo, disposição e felicidade que não podem ficar de fora. Eles ocupam espaço, mas, como poucas coisa na vida, valem o excesso. E nada de levar aquele ranço e aquele pensamento fixo em problemas. Para esse excesso, não há dólar que baste.

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Acho que é isso. O resto é por sua conta.
Câmbio, desligo.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Feriado de Laura

E daí que Laura visitou a família no final de semana prolongado. Visitou a mãe, a irmã, as paredes do antigo quarto, a paixão pela gaveta bagunçada e as cortinas feitas com renda da bisavó. Bateu na porta de tios, primos e amigos, e gastou horas falando com suas agendas de 98 e 99 (impressionante como elas lhe entendem!), além de trocar uma ideia com roupas que não consegue doar de jeito nenhum. Foi atrás de revisitar também alguns cheiros únicos: o da grama molhada, do cloro da piscina, da canjica da boa, do cabelo da irmã, do abre-fecha da caixa de negativos de fotos. Liquidou a saudade da vó, do vô e da vista preferida da cidade e passeou pela casa da tia e pelas ruas de sempre.
E sempre que Laura vai, já vai pensando na volta. E, quando pensa, junta as mãos no peito e faz vigília pra não doer muito quando vier embora. Mas não adianta. E, dessa vez, ela levou 5 saudades compactas e trouxe de volta 15 saudades + aquela dorzinha de ir embora. Queria ter poderes pra fazer isso não acontecer...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

recomendo

Num papelzinho escrevi silêncio e depois guardei na gavetinha da mesinha da sala.
Agora, toda vez que chego da rua, da bagunça, das vozes altas e do trânsito, abro a gaveta com cuidado e leio o silêncio marcado no papelzinho, bem devagar. É um exercício que me toma apenas dois minutos.
E cada letra traz alento e calma, coisas que não existem porta afora. E vou respirando fundo, pensando em coisas boas que só no silêncio a gente pode vislumbrar - cheiro de comida da mãe, picolé de uva na praia, nuvem no céu, abraço de irmã, leituras começadas, fotografias antigas, sorriso de criança.
E pronto. Estou pronta pra outra.

domingo, 7 de junho de 2009

falta pouco

Quero falar da arte de saber a hora certa pra colocar nos bolsos assuntos e conversas idiotas. Quero falar da arte de respirar fundo quando é preciso e ter quilos de paciência para não falar o que se passa na minha cabeça. Quero falar também da capacidade que algumas pessoas têm de sugar minha energia tão negativamente que me dói na alma e me faz chegar em casa sem forças até pra subir a escada. É que tem coisas que tiram a velocidade do meu sangue, descarrilham minha risada e fazem virar choro.
Mas eu também quero contar que estou riscando com carinho cada dia do meu calendário pra que minhas férias cheguem logo sorrindo pra mim, lindas e formosas. Quero poder viajar, dançar, sorrir, cantar, conhecer pessoas, lugares, ir a festas, ver amigos, falar sem travas na língua, ser a melhor pessoa que sei ser, sem medo e tudo que vem junto com ele. Renovar as energias em fontes bem longe daqui.
Logo logo...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

paixões

A verdade é que Laura se apaixona até pelo silêncio. Eu soube isso ao reparar, dia desses, que ela se enamorou de um barulho que o vento fazia na janela de sua casa. O janelão gritava ao apanhar do vento e ela sorria de um jeito que só os apaixonados fazem. E dava pra ver o fio de paixão percorrendo seu corpo bem devagarinho.
Ruído, carro, páginas da Bíblia, areia, cheiro de livro, foto velha, cobertor, selo, cantor, esmalte, música, horóscopo, sapatos, ópera. Já se apaixonou por quase tudo. E, pra Laura, não há sensação melhor que essa.
O problema é o desapaixonar-se. Cada paixão implica em uma não-paixão. Pode demorar ou não, mas o passo atrás sempre tem que ser dado. E dói demais.

terça-feira, 2 de junho de 2009

sonho de Laura

Ontem, Laura dividiu comigo os detalhes de seu hábito de colecionar marcadores de livros. Ela costuma dar preferência aos enfeitados com fotografias, cheios de arte e pompa, os que tem frases desconexas e/ou figuras irreconhecíveis. Já tem uma porção deles em sua gaveta e, a cada livro lido, coloca mais um em sua coleção.
A evidência mais pertinente para esse hábito talvez seja o fato de Laura ser vista sempre às voltas com livros variados. Seu lugar preferido é a livraria, sua comida preferida é a sopa de letrinhas e por aí vai...
Na verdade, o sonho dela era ter nascido em uma livraria, rodeada de pensamentos e letras de todos os autores que existem no mundo - quem sabe assim não seria mais fácil escrever o romance que ronda seus pensamentos todos os dias. Mas o maior sonho de Laura é ver marcadores marcando páginas de um livro feito por ela mesma.
Mas as armadilhas, Chinaski, cuidado com as armadilhas. Lembre-se do que disse Jeffers: “Até mesmo os homens mais fortes podem ser pegos em armadilhas, como Deus, na única vez em que caminhou sobre a Terra”.

Charles Bukowski

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.


Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

(Carlos Drummond de Andrade)

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E daí que poetas não mentem. E parece que Drummond sabia de nossa história quando escreveu essas letras...

sexta-feira, 29 de maio de 2009

tudo de novo

Então elas me revistam. Esvaziam meus bolsos de qualquer alegria que estivesse carregando aqui. A Depressão chega a confiscar minha identidade; mas ela sempre faz isso. Então a Solidão começa a me interrogar, coisa que detesto, porque sempre dura horas. Ela é educada, mas implacável, e sempre acaba me encurralando. Pergunta se eu acho que tenho algum motivo para estar feliz. Pergunta por que estou sozinha esta noite, outra vez.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

tenho dito

E daí que tenho entendido cada vez mais que fazer o bem para os outros é fazer o bem a si mesmo. (!) Aí, ando matutando que preciso me esparramar em uma atividade que, ao ajudar alguéns, me ajude a abrir aquele meu sorrisão com mais frequência.

Foi quando um anjinho (lindo!) colocou no meu caminho o link abaixo:
www.voluntariado.org.br

Basta digitar seu CEP e terá um monte de links de instituições que estão pertinho de você e que você pode (e deve) ajudar. E dá pra você, inclusive, filtrar a busca de acordo com coisas que se identifiquem contigo - artes, cultura, saúde, meio ambiente...

Eu já estou de olho em uma maneira de ajudar os outros e ME ajudar...

E você?
Mas em meio a este terrível sofrimento, esta doença, este cansaço, este medo, ainda me movo: restam todavia a bênção do mundo natural e dos seres amados e tudo o que há para ler e ver.

Sylvia, a Plath
Decidi que vou redecorar... Em breve, novidades.

A brincadeira é simples: passam os carros e Laura repara nas placas. Se o carro é paulista, ganha um ponto; se é paranaense, ganha dois; e se é de Londrina, ganha os dois por ser paranaense e mais três de lambuja. Onde quer que esteja - no ônibus, no carro, na rua - seus grandes olhos correm atentos pelas letrinhas minúsculas atrás de pontos pontos pontos.
E quando encontra os carros de Londrina, além da felicidade pelos pontos a mais, sente que é como se conhecesse o motorista e quem o acompanha. Tem vontade de dizer olá, acenar, abraçar, perguntar alguma coisa sobre a terrinha - seria uma maneira interessante de desovar a saudade que sente de casa.
O legal é que, só hoje, Laura já acumulou 100 pontos, dos quais 15 são os mais bonitos. E o dia ainda não está nem no meio! Que sorte a de Laura...

terça-feira, 26 de maio de 2009

conselho dado...

Então sinta saudade. Mande um pouco de amor e de luz sempre que pensar nele, depois esqueça.

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... conselho aceito.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

li Cordilheira e depois Comi Rezei Amei...

- Um dia alguém teve uma puta sacada, arranjou uma grana e colocou 17 romancistas em aviões para 17 destinos diferentes. (É o tipo de ideia que eu gostaria de ter tido primeiro) O porquê? Eles deveriam buscar material em cidades como Buenos Aires, Dublin, Sidnei e tantas outras para escrever sobre o amor. Dos mais diferentes e exóticos aos mais simples e maternos - o amor. Amores Expressos é o nome da coleção e o primeiro filho a ser publicado foi Cordilheira, de Daniel Galera. Perdas, encontros e desencontros são as matérias-prima para a obra. Até aí, nada de novo, mas não pense em clichê, pois ele não teria espaço aqui. O livro faz refletir sobre os limites nem sempre definidos entre vida e arte - uma sobreposição elegante, mas que pode ser um impasse. Esse é o caso da personagem central, a escritora que vai a Buenos Aires falar sobre sua obra em uma feira e aproveita pra passar um tempo na cidade. No seu caminho pra conhecer tudo e se livrar de uma avalanche depressiva que a assola, a escritora conhece um grupo de autores lunáticos que se encarregam de dar formas aos personagens centrais de seus livros. A história toma um rumo inimaginável (ponto pra Galera!), abafada por um final pouco interessante. Mas nem por isso deixo de concordar que a maneira como o autor amarra as pontas dessa maluquice toda é de se chamar a atenção. Da leitura de Cordilheira, levo a vontade de escrever um romance o mais depressa possível. Resta saber onde estão as pontas, como fazer para amarrá-las e descobrir quem, além da minha mãe, leria um livro meu... (Ouvi dizer que vai virar filme!! Aposto em Leandra Leal para o papel central!).

- Falando em amarras e romance, minha outra leitura é Comer Rezar Amar, de Elizabeth Gilbert. Não é de hoje que me recomendam este livro. É que costumo ter um pé atrás com livros que venderam zilhões e que são uma história real narrada em primeira pessoa - tudo muito didático e expositivo (gosto dos requintes que a ficção oferece). Mas alguma coisa me puxou pra ele esses dias. E nada é por acaso. Uma vez que li o primeiro dos 108 capítulos não parei mais. É basicamente assim: depois de intensas crises de choro, Liz simplesmente resolveu aceitar sua condição - tinha 34 anos, não queria ter filhos e não queria mais estar casada. Sofreu horrores, se apaixonou no meio ao divórcio (tudo fácil!), e, ao invés de recorrer a remédios para depressão, resolveu tirar um ano para viajar e buscar o equilíbrio que lhe faltava. Itália, Índia e Indonésia são os destinos escolhidos - uma jornada para Comer Rezar Amar. Ao dialogar consigo mesma, Liz coloca um espelho na frente de seu leitor e, enquanto lemos, é possível nos vermos em situações e questionamentos parecidos, sempre em busca de um equilíbrio que parece tão improvável, de um amor próprio que tantas vezes nos escapa. O mais interessante é que não precisei viajar pelo mundo, aprender italiano e praticar ioga e meditação pra descobrir que o melhor que podemos fazer com relação a nosso mundo incompreensível e perigoso é praticar o equilíbrio interno - por maior que seja a insanidade que exista do lado de fora.


- O que há de semelhante entre Cordilheira e Comer Rezar Amar? Bom, depois de ler os dois, fiquei com muita vontade de tomar uma cerveja com Galera e sentar pra conversar Liz...

sábado, 23 de maio de 2009

a dica do final de semana

Se você gosta de palavras, dicionários e combinações de frases e de degustar isso tudo em idiomas improváveis, leve toda sua atenção ao cinema quando for ver Budapeste. Mas anote: preste toda atenção aos versos desse filme admirável, que só não é mais bonito que o livro que o originou. Budapeste é sensível, denso, poeticamente complexo - como quase tudo que nasce de Chico Buarque. É um presente do diretor Walter Carvalho e da roteirista Rita Buzzar pra você, pra mim.
Se na leitura do livro eu já havia apreciado a sutileza com que a história é tratada, no filme, toda essa sutileza toma forma nas mãos da direção de fotografia, que é surpreendente. A Hungria não estava na minha lista de lugares a serem conhecidos, e agora está. Tudo culpa das belas imagens da amarelada capital húngara mostradas no longa. Há outras surpresas também, entre elas o ator Leonardo Medeiros. Não imaginei que aquele cara da novela das oito poderia absorver o José Costa de Chico com aquela capacidade cênica simples.
Juro que assisti o filme com um sorriso de canto de boca constante e uma satisfação ímpar por poder ver cada umas daquelas palavras pinçadas por Chico, Rita e Walter materializadas na telona... Tudo isso em escalada até o momento sutil do "poesia é pra se devorar, como o amor". É, claro, que nem tudo são flores, porque acho que essa escalada do filme acaba com o final, maluco demais e pouco poético. Destoa da combinação ...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

aventuras dela

A única coisa que Laura gosta em seu trabalho é de ficar ao telefone, porque é quando conversa com os jornalistas das grandes redações. Repórteres que beiram rios de aventura e quase caem em abismos de histórias praticamente impossíveis de serem comuns. Muitos deles, os abençoados, presenciaram coisas bizarras, bonitas, nojentas e surreais e são protagonistas de algumas histórias que Laura carrega em seu caderninho (que ninguém nunca viu). Coisas lindas de imaginar...
Quando ela liga pra um antro de jornalistas pedindo pra falar com Fulano, gosta do passa-pra-lá-e-pra-cá do telefone. O Beltrano fala com o Siclano que encontra o Fulano depois de uns minutos. Enquanto o telefone viaja por tantas mãos, ela ouve bem lá no fundo aquele burburinho misturado com sons de teclas das máquinas de escrever modernas, notícias sendo escritas em tempo real, e tudo que está no cardápio da parte verdadeira da profissão. Sente uma pontada de inveja por não estar nesse universo. Mas seus sentimentos transbordam além - olhar de longe é melhor do que pode imaginar.

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Essa é Laura. De hoje em diante eu não vou desgrudar dela-ura.