domingo, 9 de agosto de 2009

carta de um ex-pai

Hoje amanheci com aquele amargo no meu sangue, um azedume que tenho tentado evitar. É que hoje é dia dos pais. De pais que amam seus filhos; pais que não só os assistem crescerem, mas que participam de suas vidas, mesmo que de longe, apontando caminhos quando o assunto é queda. Tem também os pais que se vão por motivos, muitas vezes, inexplicáveis - alguns partem e deixam feridas grossas e doídas; outros têm tempo de ensinar algo precioso e deixam esta vida com a missão cumprida. E há pais com eu: vazios, insensíveis e incapazes de exercer essa tarefa que a vida lhes deu.
É que eu decidi, simplesmente, não ser mais pai de ninguém. Ordenei aos meus filhos que ficassem longe de mim o suficiente para que eu pudesse ter outra vida. Deixei-os ao deus dará, escurracei-os de mim. Sou um ex-pai.
Não me julguem, não sou uma pessoa má. Eu apenas não sei o que fazer com o amor que eles me oferecem. Não tenho a receita de como usar o carinho que querem me dar. Não me sinto capaz de protegê-los o guiá-los quando me pedem ajuda. Não não não. E, com os anos, fui me tornando cada vez mais amargo e duro de roer. Nem o amor deles foi capaz de impedir que eu me transformasse nisso que sou hoje.
Depois de pedir a retirada de todos que eu julgava necessários, apostei minhas fichas em uma nova espécie de família. A vantagem é que essa nova família só sabe do meu passado aquilo que eu contei, com ajustes mais do que precisos. E essa minha nova família me satisfaz.
Só que, mesmo assim, continuo com um gosto acre na boca, quando em dias especiais me pego pensando em tudo que estou perdendo da vida dos meus filhos. É um azedo que sobe pela garganta e não deixa nem passar o café da manhã. Mas acho que é melhor assim...
Só sei que eu não queria existir em mais este dia dos pais.
Definitivamente eu não mereço ser chamado de pai.
** Qualquer semelhança é mera coincidência.
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Eu diria que as memórias são a melhor coisa que temos na vida. Elas não podem ser arrancadas ou queimadas da nossa cabeça. Ufa! Por isso, pai, onde você estiver agora, saiba que te amo!
A memória cola fragmentos de várias porcelanas no mesmo vaso
Drummond

7 comentários:

*Livia* disse...

Nossa...que lindo...e triste, tão triste.
Não puder evitar as lágrimas...

Ve, queria te dar uma braço bem apertado agora, mas faço isso logo mais, tá?

Bjos!!

Amanda Proetti disse...

Nózão na garganta!

Conheço isso...

Virgínia Ribeiro disse...

Verena!!!
Meu Deus, como isso é triste.
Mas a sua atitude é linda. Amar é sempre a melhor resposta.

Um grande beijo

Mãe disse...

Filha! TE AMO MUIIIIITO. Se isto te consola. Beijos.

Meggy disse...

Eu tb te amo!

André Julião disse...

Que pelo menos usemos isso para fazer arte, ou coisa parecida. Apertou meu coração.

Vida que segue.

Ju disse...

Achei seu post sem querer qdo procurei "ex pai" no google. Seu texto é lindo. Estou passando por isso. Meu ex marido virou tb um ex pai e isso me entristece pelo amor que vejo q minhas filhas, ainda pequenas, tem por ele. Uma hora tenho certeza que se sentirá assim. Copiei seu texto e colei no meu blog (claro, divulgando o seu). Espero q nao se importe. Um abraço, Ju.