sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

a fonte secou

Laura gosta de casar palavras, usar advérbios para acentuar alguns sentimentos, dar às mãos para adjetivos que ficam bonitos juntos. Brinca com as letras constantemente e sente falta quando não o faz. De vez em quando, inventa palavras e as revira de pernas para o ar, buscando seus significados.
Acha que tem vocação para isso e seu maior sonho é escrever um livro que mostre diversos casamentos felizes entre frases, parágrafos, travessões e afins. Não tem tanta certeza de que alguém (além de sua mãe e uns amigos do peito) vá ler a obra, mas tem uma vontade de tentar que pinica até o céu da boca e faz arrepiar os cabelos da nuca.
Só que, ultimamente, ela esqueceu a fórmula. Não sabe mais casar. Esqueceu onde colocou seu provável dom. Assim não vai poder escrever o livro.
Se fosse um poeta, ela diria: E agora, José?

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

toc toc toc

Sim, há muito tempo não falo com você. O pior é que há algum tempo eu não falo DE você.

Não que minha saudade tenha cicatrizado ou que eu tenha aprendido como colocar uma pedra em cima de meu amor por você. Não depois de tudo. Minha saudade continua aqui, uma ferida aberta. Minha lembrança prega peças em mim com frequência, me fazendo recordar de todos os dias com céu azul e estrelas que passamos. Meus sonhos não conseguem deixar sua figura de dedos quadrados e cabelos ralos para lá. Minhas lágrimas não secaram e continuam respeitando a gravidade todas as noites, antes de dormir sobre o travesseiro de quando eu era criança.

Nossa falta de vínculo já foi assunto demais aqui nesse blog falido do ponto de vista da objetividade. Enjoei eu mesma de ler tantas letras molhadas de lágrimas. E sei que posso até ter afugentado uns pares de leitores / amigos que não compartilham de minha melancolia. Porque sua ausência me dói tanto que fico doída e saio espalhando dor com essas sílabas.

Mas ninguém tem muita noção do quanto o corte foi largo. Pra costurar fica difícil, eu sei. Por isso mesmo que eu tinha me decidido a não colocar mais você na minha pauta. Pensei e até levei a cabo meus planos de tirar você deste blog. Fiquei dias e dias seca de sua ausência, seca de coisas tristes pra serem colocadas pra fora. Não havia mais o que escrever, nenhum episódio novo.

Mas ontem, falando sobre carinho de pai na mesa do bar, meu coração sentiu a pontada. Como será que você está? Onde? Está feliz? Sente saudades?

Tem alguém aí?

é oficial

Quero dizer que o nó, a respiração pesada e esforçada fazem a gente sair dos trilhos. O medo latejando as pernas, apertando o estômago, contraindo as costelas e as unhas cravadas na palma das próprias mãos.

Preciso de férias do cérebro, do trabalho e das indecisões.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A combustão interna começou quando as borboletas acenderam a faísca de seu estômago. Faz mais de meses. A faísca não dói. Faz apenas uma coceguinha cazuzamente sutil nas paredes estomacais. Aparece sorrateira quando vê o amor nos olhos do outro. Um mexilhão invade seu sangue e o fogo vai deixando o estômago por veias secretas ao cérebro. Não há como controlar. Por lá, só fica o frio na barriga.

Com as veias quentes e o sangue desgovernado, não tem mais o supremo poder dos seus sentimentos. Gosta de ser amada. Quem não gosta? Sambar com o carinho do outro de mãos dadas, as borboletas coordenando os movimentos, o suor pingando na roupa, o sorriso de orelha a orelha, as bochechas na cor de maçã.

Quando o fogo se abranda e as veias voltam ao seu estado normal, sua alma deixa de sambar e os braços, de sacolejar. O outro se afasta e leva seu carinho cheio de promessa de futuro. O sorriso escorre pra dentro do rosto e o suor fica mais salgado e vira lágrima. As bochechas ficam hepáticas. O frio na barriga vai embora e o sentimento fica perdido em algum lugar de sua retina.

É quando o vazio toma conta de seu corpo. Um corpo oco, surtado, frio. É quando pode se dizer que, se seu coração fosse um céu, seria um céu nublado e sem estrela alguma.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

o malefício da dúvida

Não é de hoje que penso nisso e a cabeça entra numa roda eterna. Na fila do suco verpertino, outro dia, peguei no ar dois ou três pensamentos repetitivamente doídos. Examinei-os. Eram dúvidas, interrogações, incertezas - todas elas com cicatrizes permanentes, de tanta porrada que me encarreguei de lhes dar ao longo dos últimos meses. Não sem espanto, percebi que tinha dúvidas até mesmo para saber qual era sabor de suco que queria para rechear meu canudinho. Morango com leite, manga, melancia com limão ou laranja com mamão? Todos muito saborosos e promissores para aquela tarde quente. Mas não fui capaz de eleger um sem antes divagar por dez minutos em frente ao cardápio. Afinal, escolher manga significa deixar de aproveitar o azedinho do limão que vem com a melancia e que me dá uma coceguinha pontual na língua. Já o mamão com laranja me lembra suco na rodoviária quando vamos embarcar pra casa.

(pausa para pensar... de novo)

De uns tempos pra cá, algum vento (que vem não sei de onde) tem se encarregado de trazer pra perto de mim uma insegurança que não é minha. Esse mesmo vento intruso traz porções generosas de falta de compreensão de mim para mim mesma e o que reina é "o que fazer?", "por onde ir?", "com quem ir?".

No final dos minutos, dei conta de eleger o meu sabor, mesmo com o coração na mão e um sentimento de pesar por ter deixado o outro de lado. Na vida é assim, não? Escolher o suco de morango traz o benefício da fruta docinha e da combinação perfeita com o leite, mas, por outro lado, você deixa de ter o azedinho do suco com limão. É ganhar e perder, ao mesmo tempo, sem dó ou piedade. Carinho de um lado e sofrimento do outro. Resta esvaziar a cabeça com tantas dúvidas e deixar a massa cinzenta escolher sozinha. Ou não?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

diagnóstico pesado

Laura foi às pressas em busca de um médico. Correu com tudo, saiu mais cedo do trabalho, pegou metrô e lotação e lá estava. O doutor olhava para ela com cara de preocupado. Podia ser algo além do que Laura havia imaginado?
Pra começo de conversa, ele pediu um raio-X urgente. Uma hora depois, Laura ainda esperava o resultado do exame na salinha. Suando mãos e pés, saudades de casa tremelicando as pernas e o coração apertando o sutiã.
Chegou a hora e a única coisa que o raio-X mostrava era um pesado e profundo nó na garganta. Sinal da melancolia evidentemente crônica dos últimos tempos.
E a indústria farmacêutica ainda não descobriu como dissolver nós na garganta...