terça-feira, 23 de junho de 2009

mala inteligente

- Escolha e separe as roupas por cores. Cada cor faz você se sentir de um jeito. O vermelho esquenta mais que o azul e o verde te deixa mais alegre nas fotos, sempre. O amarelo aumenta a luz do seu rosto e o preto, além de emagrecer, alonga os braços. Branco não deixa a gente errar nunca e dá aquela paz pra sair nas fotos com cara de quem está aproveitando cada momento. Nada de listras - elas lembram uniforme de hospitais. E você não vai querer parecer um paciente terminal nas suas férias, né?
- Eleger os sapatos quando a mala não é muito grande exige sabedoria. Você pode se arrepender de forma doída se jogar na mala o par errado. É que nem fazemos com a vida e os relacionamento: às vezes, é mais certo ter o confortável por perto do que contar com o descolado que pode machucar feio.
- Reserve o espaço para boas doses de ânimo, disposição e felicidade que não podem ficar de fora. Eles ocupam espaço, mas, como poucas coisa na vida, valem o excesso. E nada de levar aquele ranço e aquele pensamento fixo em problemas. Para esse excesso, não há dólar que baste.

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Acho que é isso. O resto é por sua conta.
Câmbio, desligo.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Feriado de Laura

E daí que Laura visitou a família no final de semana prolongado. Visitou a mãe, a irmã, as paredes do antigo quarto, a paixão pela gaveta bagunçada e as cortinas feitas com renda da bisavó. Bateu na porta de tios, primos e amigos, e gastou horas falando com suas agendas de 98 e 99 (impressionante como elas lhe entendem!), além de trocar uma ideia com roupas que não consegue doar de jeito nenhum. Foi atrás de revisitar também alguns cheiros únicos: o da grama molhada, do cloro da piscina, da canjica da boa, do cabelo da irmã, do abre-fecha da caixa de negativos de fotos. Liquidou a saudade da vó, do vô e da vista preferida da cidade e passeou pela casa da tia e pelas ruas de sempre.
E sempre que Laura vai, já vai pensando na volta. E, quando pensa, junta as mãos no peito e faz vigília pra não doer muito quando vier embora. Mas não adianta. E, dessa vez, ela levou 5 saudades compactas e trouxe de volta 15 saudades + aquela dorzinha de ir embora. Queria ter poderes pra fazer isso não acontecer...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

recomendo

Num papelzinho escrevi silêncio e depois guardei na gavetinha da mesinha da sala.
Agora, toda vez que chego da rua, da bagunça, das vozes altas e do trânsito, abro a gaveta com cuidado e leio o silêncio marcado no papelzinho, bem devagar. É um exercício que me toma apenas dois minutos.
E cada letra traz alento e calma, coisas que não existem porta afora. E vou respirando fundo, pensando em coisas boas que só no silêncio a gente pode vislumbrar - cheiro de comida da mãe, picolé de uva na praia, nuvem no céu, abraço de irmã, leituras começadas, fotografias antigas, sorriso de criança.
E pronto. Estou pronta pra outra.

domingo, 7 de junho de 2009

falta pouco

Quero falar da arte de saber a hora certa pra colocar nos bolsos assuntos e conversas idiotas. Quero falar da arte de respirar fundo quando é preciso e ter quilos de paciência para não falar o que se passa na minha cabeça. Quero falar também da capacidade que algumas pessoas têm de sugar minha energia tão negativamente que me dói na alma e me faz chegar em casa sem forças até pra subir a escada. É que tem coisas que tiram a velocidade do meu sangue, descarrilham minha risada e fazem virar choro.
Mas eu também quero contar que estou riscando com carinho cada dia do meu calendário pra que minhas férias cheguem logo sorrindo pra mim, lindas e formosas. Quero poder viajar, dançar, sorrir, cantar, conhecer pessoas, lugares, ir a festas, ver amigos, falar sem travas na língua, ser a melhor pessoa que sei ser, sem medo e tudo que vem junto com ele. Renovar as energias em fontes bem longe daqui.
Logo logo...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

paixões

A verdade é que Laura se apaixona até pelo silêncio. Eu soube isso ao reparar, dia desses, que ela se enamorou de um barulho que o vento fazia na janela de sua casa. O janelão gritava ao apanhar do vento e ela sorria de um jeito que só os apaixonados fazem. E dava pra ver o fio de paixão percorrendo seu corpo bem devagarinho.
Ruído, carro, páginas da Bíblia, areia, cheiro de livro, foto velha, cobertor, selo, cantor, esmalte, música, horóscopo, sapatos, ópera. Já se apaixonou por quase tudo. E, pra Laura, não há sensação melhor que essa.
O problema é o desapaixonar-se. Cada paixão implica em uma não-paixão. Pode demorar ou não, mas o passo atrás sempre tem que ser dado. E dói demais.

terça-feira, 2 de junho de 2009

sonho de Laura

Ontem, Laura dividiu comigo os detalhes de seu hábito de colecionar marcadores de livros. Ela costuma dar preferência aos enfeitados com fotografias, cheios de arte e pompa, os que tem frases desconexas e/ou figuras irreconhecíveis. Já tem uma porção deles em sua gaveta e, a cada livro lido, coloca mais um em sua coleção.
A evidência mais pertinente para esse hábito talvez seja o fato de Laura ser vista sempre às voltas com livros variados. Seu lugar preferido é a livraria, sua comida preferida é a sopa de letrinhas e por aí vai...
Na verdade, o sonho dela era ter nascido em uma livraria, rodeada de pensamentos e letras de todos os autores que existem no mundo - quem sabe assim não seria mais fácil escrever o romance que ronda seus pensamentos todos os dias. Mas o maior sonho de Laura é ver marcadores marcando páginas de um livro feito por ela mesma.
Mas as armadilhas, Chinaski, cuidado com as armadilhas. Lembre-se do que disse Jeffers: “Até mesmo os homens mais fortes podem ser pegos em armadilhas, como Deus, na única vez em que caminhou sobre a Terra”.

Charles Bukowski

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.


Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

(Carlos Drummond de Andrade)

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E daí que poetas não mentem. E parece que Drummond sabia de nossa história quando escreveu essas letras...