domingo, 6 de julho de 2008

Receitas secretas para dar rumo à saudade

As receitas aos domingos não eram apenas de vontade de comer, passar o tempo e ter louças para lavar. Todas as comidas preparadas diziam um pouco sobre seu passado que ainda tinha cheiro de tinta fresca na parede. Todas as guloseimas e quitutes vinham de um antigo caderno de receitas, daqueles com manchas de farinha, açúcar e manteiga que impregnam de tanto usar. Não era apenas um livro rabiscado com receitas. Preste bem atenção: era um verdadeiro baú de segredos que vinham de sua avó, passavam pela sua mãe e seguiam pelas novas gerações (sua irmã sempre foi uma cozinheira de mão cheia). Fórmulas que nasciam de suas cabeças, pensadas para fazer pessoas felizes. Ela pensava que, como nas receitas, sua família também era muito heterogênea. Uns são a farinha que dá a liga ao bolo; outros são o açúcar para encher de sabor; outros ainda, manteiga (lisos como só). Gostava dessa forma. Cada mistura diferente trazia um tempero, um aroma, um sabor variado e ao mesmo tempo extravagante. Quando saía com a mãe, tendia a ser mais serena e a ouvir mais - conselhos sempre foram necessários. Já quando passeava com a irmã mais nova, tinha certeza de que sua vocação era ser farinha, na certa - era ela quem servia de conselheira. Misturas: eram tudo que isso queria dizer. Para não perder o costume de sentir essas fragrâncias características e não se esquecer de nenhum detalhe, escolheu ser assim. Ia para a cozinha sagradamente aos sábados e aos domingos para preparar café, almoço e janta. Não pensava em cinema, teatro, discotecas ou no filme da TV. Gostava mesmo era de encher o apartamento com o cheiro de sua casa materna: café, bolos, pães, feijão, bife. Aquele odor tão familiar e recompensador. A receita de bolinhos lhe lembrava a avó - a casa adquiria um aroma inconfundível quando chegava a hora de passar as delícias na canela e no açúcar. Na macarronada, sempre se lembrava da mãe. A progenitora fazia do prato mais simples uma verdadeira iguaria dos deuses, daqueles dos quais não se quer largar. O segredo? Uma pitada de... Bem, é segredo! Da irmã, sempre se recordava nas horas de pensar nas sobremesas... Tortas, quitutes, cremes, gelatinas, tudo para lamber os beiços, os dedos e até o prato. O que ninguém que come suas iguarias sabia é que o que ela mais queria mesmo era dar um rumo para sua saudade. Extravasar o que já não podia mais esconder de ninguém. Cozinhar para estar mais perto de quem ficou tão longe. Mas isso ninguém sabia. E é segredo, ok?

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