domingo, 6 de julho de 2008

Chinelos vagabundos

O diálogo entre as nordestinas fez acordar mais cedo a menina. O ônibus ia lotado. As nordestinas - também clichês na metrópole vazia de sentimentos e cheia de subempregos, arrastavam palavras como quem arrasta os chinelos pelo chão. O sotaque marcante não escondia rostos e mãos e pés e cabelos cansados da vida calejada das migrantes. Na conversa, riam do luxo dos patrões, ricos da grana mas pobres de espírito. O chefe havia pago vários meses do salário delas para levar o cão de acompanhante no avião para as férias em Salvador (curiosamente, a cidade de onde vieram). "Só em sonho", suspiravam. As retirantes não só despertaram a garota do sono como a acordaram também para as inutilidades dos ricos moradores da metrópole incauta. Tanta gente ganhando tão pouco - pleonasmo quando se fala em Brasil. Mas na capital da solidão aquilo era e vai ser talvez pra sempre (não se sabe) a coisa mais comum do mundo.(continua)

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