sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O amor dentro do ônibus / Capítulo II

O choro surge da pontinha do coração. Passa pelas veias todas (as mesmas veias que guardam o roteiro dos momentos lindos que tem vivido) e chega à garganta com um gosto amargo. Um vendaval parece tomar o seu corpo, que já chora. Lembranças, sensações, tudo que foi falado. Tenta resgatar o momento inicial daquele furacão. Mas não consegue. Só faz tentar segurar o choro, para não arrebentar o fio da coragem de ser durona. Aprendeu a ter fibras para algumas coisas, mas em matéria de coração... Quando repara, só agüentou segurar até entrar no ônibus, quando o fio se rompeu rapidamente.

Da garganta, o choro abafado passa pelos olhos, que agora só vêem o cobrador do ônibus e a avenida passando pela janela. O pobre homem, que já está com o olhar de fim de turno (já são 23h), encara-a, trazendo junto com o seu bilhete único o choro contido. Quer consolar, mas não se consolam estranhos nessa cidade. O soluço já vem e os poucos passageiros também a olham.

Enquanto tenta buscar o que detonou aquela onda de emoções, a indignação aparece com cor chamativa e sente vontade desesperada de amar menos. Não por não ser bom amar - longe disso. Mas porque, quando ama, sente vontade de implodir em lágrimas cada vez que uma porta se fecha. A porta do futuro, a porta do carinho descontrolado, a porta da compreensão nos momentos delicados.

Passa o túnel que separa a avenida preferida e o caminho de casa. Não há mais volta – pelo menos não hoje. A solução é engolir o choro e esperar que a poeira seque. Tentou achar na memória outros tempos em que esse sentimento a tomara. Não existia. Nunca foi dada a dramas assim. É a primeira vez que lhe dói a esse ponto.

Todos no ônibus se perguntam o que lhe passa. Ela tenta esconder o rosto para não aparentar o sofrimento. O que a gente não vê dói menos, não é? Cicatriza mais fácil... Ela já aprendeu em outros carnavais familiares. Na bolsa procura o lenço e aproveita para rasgar a folha de papel que traz as promessas de futuro. O presente assusta o que vem pela frente.

O soluço aparece forasteiro. Explosão de sentimentos. Em que rua já está? Quase perde o ponto. A chuva não dá tréguas assim que seus pés habitam a calçada. O guarda-chuva já não cumpre sua função. Nem a sua tentativa de esquecer tudo isso. Agora a chuva não está só em seus olhos. Chove em toda a sua roupa. Sente o coração tremendo de frio, os ossos chacoalham de saudade de um abraço específico.

No espelho do corredor, os olhos estão vermelhos cor da paixão. Agora uma tristeza lhe invade. Já não há mais o que falar. Amanhã espera ficar tudo bem.

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