Ontem, nadando no meu mar de dores intensas de coração, fechei meus olhos e só conseguia enxergar uma coisa na escuridão que fica dentro da pálpebra quando a gente chora sem parar: uma série de imagens. Um filminho mesmo: a risada com amigas na escolinha, o choro por causa do atraso da mãe no portão, o dia das crianças em que acordei sem meus pais por perto, as brigas com as irmãs para saber quem era a filha preferida, a vez que meu pai me pegou beijando um menino (que vergonha!) na festinha da igreja, o primeiro jogo do Tubarão no Estádio do Café, o apelido de "Potência" porque eu era uma gordinha que pesava 89 arrobas (pelo menos), o sorvete liberado na praia, a viagem pra casa da bisavó ouvindo mil vezes a mesma música, a ida ao trem-fantasma no Beto Carrero, as minhas boas notas em português e o recorde de livros lidos aos 6 anos. Coisas, coisinhas. Isso que chamo de "minha vida".
Tentava, ainda com os olhos fechados e o coração sangrando na garganta, achar o fiapo de esperança que perdi por aí, em algum lugar do caminho. Esperança de ver tudo dar certo e de descobrir que a vida nem é tão dura assim, na verdade. Que tudo vai ficar bem. E que eu vou chegar em casa e vai estar tudo lá, como era aos 6 anos de idade e eu ainda pegava no braço da mãe pra atravessar a rua. Tentava, talvez, encontrar uma razão não-idiota ou um errinho que pudesse me fazer entender a coisa toda. Não deu.
Duas neosaldinas e milhões de pensamentos depois, eu ainda tentava dar uma dimensão mais normal e menos bizarra pra toda essa história. Não consegui, é claro. Com a ajuda de amigos que, "complacentes", são meus docinhos de coco e apostaram em ótimas piadas pra assoprar minha dor.
Um dia, ainda vou conseguir parar de rolar na cama à noite, assaltar o telefone e ligar pra pessoa certa e falar as palavras certas. Mas calma. Por enquanto, chega de drama, de dor.
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"Uh... Se a gente já não sabe mais
rir um do outro meu bem então
o que resta é chorar e talvez,
se tem que durar,
vem renascido o amor
bento de lágrimas.
Um século, três,
se as vidas atrás
são parte de nós.
E como será?
O vento vai dizer
lento o que virá,
e se chover demais,
a gente vai saber,
claro de um trovão,
se alguém depois
sorrir em paz".
Amarante.