sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
O amor dentro do ônibus / Capítulo II
Da garganta, o choro abafado passa pelos olhos, que agora só vêem o cobrador do ônibus e a avenida passando pela janela. O pobre homem, que já está com o olhar de fim de turno (já são 23h), encara-a, trazendo junto com o seu bilhete único o choro contido. Quer consolar, mas não se consolam estranhos nessa cidade. O soluço já vem e os poucos passageiros também a olham.
Enquanto tenta buscar o que detonou aquela onda de emoções, a indignação aparece com cor chamativa e sente vontade desesperada de amar menos. Não por não ser bom amar - longe disso. Mas porque, quando ama, sente vontade de implodir em lágrimas cada vez que uma porta se fecha. A porta do futuro, a porta do carinho descontrolado, a porta da compreensão nos momentos delicados.
Passa o túnel que separa a avenida preferida e o caminho de casa. Não há mais volta – pelo menos não hoje. A solução é engolir o choro e esperar que a poeira seque. Tentou achar na memória outros tempos em que esse sentimento a tomara. Não existia. Nunca foi dada a dramas assim. É a primeira vez que lhe dói a esse ponto.
Todos no ônibus se perguntam o que lhe passa. Ela tenta esconder o rosto para não aparentar o sofrimento. O que a gente não vê dói menos, não é? Cicatriza mais fácil... Ela já aprendeu em outros carnavais familiares. Na bolsa procura o lenço e aproveita para rasgar a folha de papel que traz as promessas de futuro. O presente assusta o que vem pela frente.
O soluço aparece forasteiro. Explosão de sentimentos. Em que rua já está? Quase perde o ponto. A chuva não dá tréguas assim que seus pés habitam a calçada. O guarda-chuva já não cumpre sua função. Nem a sua tentativa de esquecer tudo isso. Agora a chuva não está só em seus olhos. Chove em toda a sua roupa. Sente o coração tremendo de frio, os ossos chacoalham de saudade de um abraço específico.
No espelho do corredor, os olhos estão vermelhos cor da paixão. Agora uma tristeza lhe invade. Já não há mais o que falar. Amanhã espera ficar tudo bem.
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
O amor dentro do ônibus / Capítulo I
Sai de casa com a roupa preferida, pele hidratada, filtro solar em dia, anéis preferidos, cabelo despretensioso. Quer surpreendê-lo não só com o aroma de seu perfume novo, mas com o gosto de felicidade que leva em sua boca. Os últimos dias foram felizes e guardou a receita para os próximos feriados especiais que virão. Nada poderia dar errado. E, na rua, todos parecem reparar que aquela menina leva uma expressão satisfeita em seu semblante.
O motorista do ônibus lhe saúda com todos os dentes, dizendo bom dia e tentando entender que espécie de felicidade é aquela que a circunda. A cobradora deixa na ponta da língua a pergunta: qual é o segredo? Prefere encará-la. Alguns passageiros ainda levados pelo sono da manhã observam-na, agora lendo um livro atentamente, com um sorrisinho de canto dos olhos. Nada parece dar errado para ela, pensam.
Num movimento desavisado de paquera matinal, um homem desavisado resolve puxar conversa, querendo dividir não só o assento a seu lado, mas um pedacinho de sua vida e, quiçá, o seu amor. Já sonha em ter casa, filhos e uma família com ela, sentada ali, tão próxima. Ela lhe sorri diante do movimento. Mas dá para ver em seus olhos que seu amor tem um dono eterno pelo menos enquanto dure.
O passageiro entende e ainda assim permanece ao seu lado. Faz bem estar perto de quem está tão bem. Só lhe restou desejar ser amado um dia dessa mesma forma por um alguém.