Ela gosta de livrarias mais do que uma criança gosta de algodão doce ou sorvete. Sonha em ser dona de uma, mas daquelas pequeninas, que abriguem livros especiais e seja freqüentada por pessoas que saibam que escolher um livro é uma decisão importante.
A paixão pegou fogo quando era ainda criança. Esperava pelo pai na saída da aula de dança e se abrigou da chuva em um sebo. O lugar era bastante modesto e trazia o cheiro característico de palavras em diversas línguas, papel e tinha velhos. Foi lá que a mágica aconteceu...
Um senhor que estava por lá lhe indicou um exemplar amarelado de Machado de Assis e lhe confidenciou que, se naquela idade, ela conseguisse ler o velho escritor brasileiro em poucos dias e com interesse, sua vida seria permeada por uma paixão febril por livros e nenhum seria suficiente para aplacar isso. O velho era um profeta e aquele livro seria apenas o primeiro.
Depois de Capitu, deu atenção ao Sargento de Milícias, conheceu a Moreninha, freqüentou O Cortiço e foi embora pelo caminho profetizado. Nunca mais deixou de parar em uma loja cheia de livros. Partiu para livros em outras línguas e para autores mais difíceis. Mas nada parecia conseguir segurar a tamanha vontade de ler e ler e ler tudo que fosse possível.
Quando vai a casas de amigos sem-pre passa os dedos pelas lombadas das obras. Quer conhecer todos os títulos possíveis. Como não poderia deixar de ser, ela moraria facilmente em um livraria e chegou a invejar de leve a autora que dormiu por uma semana numa livraria em São Paulo. Pensou em tudo que leria ao invés de pegar no sono se estivesse no lugar dela.
Hoje ela cresceu e trabalha perto de uma livraria toda especial, para onde foge todas as tardes na hora do café. E quando achava que já não tinha como amar ainda mais um lugar com livros dentro, ela participa do seguinte diálogo:
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Ela:
- Eu gosto de livros. Por isso, livrarias são templos para mim. Sou capaz de me demorar uma vida aqui.
Ele:
- Você fica linda em qualquer lugar, mas aqui dentro... fica mais.
Sorriso de orelha a orelha. Um ou dois minutos se passam e ele continua olhando firme para ela. A franja dela não colabora e fica caindo no rosto.
Ela:
- Acho que vou levar esse. Ou aquele? Ou este. Ai, me ajuda?
Ele dá mais um minuto, pensativo.
Ele:
- Mando fechar a porta e compro a livraria pra você. Que tal?
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