Márcia estava no canto da sala com a cara abatida de quem tinha chorado um luto forte, pesado e doído. Todos que chegavam para a aula iam até lá e a cumprimentavam. Nem todos a conheciam bem, mas sentiam e solidarizaram com a dor de Márcia pelo pai falecido.
Laura ficou no outro canto da sala, tímida, receosa, medrosa. Fazia o que podia para não ter que ir até lá e compartilhar um abraço com a colega. Não que ela seja mal educada, nada disso. Só que Laura não queria correr o risco de desabar em lágrimas no ombro de Márcia por seu próprio luto, o luto de um pai vivo, um luto obrigatório que empurraram pra dentro de sua garganta sem que ela tivesse tempo de perguntar o porquê exato. Mas luto é assim, né? Acontece sem hora, nem explicação fácil e duradoura.
Pensou pensou pensou e resolveu ceder (e quem sabe provar a si mesma que era forte?!). Na hora do intervalo, chegou no pé do ouvido da colega de classe (não queria falar alto e gerar inúmeras caras de interrogações e, depois que ela se explicasse, não desejava ver aquelas caras de dó) e lhe disse que entendia a dor dela muito bem.
- "Ah... você perdeu seu pai, querida?", falou Márcia, sempre doce, compreensível. Uma dama até do alto de sua dor.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
(foi esse o espaço do silêncio de Laura, uma quietude semelhante ao que ela sente no coração toda vez que pensa na palavra pai).
.
.
.
.
.
.
.
.
.
E, ao despencar de seu silêncio, Laura se deu conta de que seu luto seria definitivo, mesmo com o pai vivo, respirando por aí em algum canto com uma mulher moderna e siliconada e filhos menos indagadores que ela.
- Não, Marcia. Meu pai ainda tá vivo, mas ele assassinou o pai que ele foi antes. Aí preferiu esconder a culpa pelo crime embaixo de algum tapete da vida e, junto com a culpa, eu também fui empurrada pra fora da vida dele.
E daí que Laura notou que tem feito um luto doído quase que constantemente. Já tentou ressucitá-lo, mas não pense que é simples assim. O morto não quer ressurgir.
Anotou então no caderninho da sua cabeça: "preciso deixar o luto de lado e fazer uma bela cerimônia de enterro". Só assim pra gente guardar apenas o que foi bom.
Fez disso sua oração diária e ficou numa boa (ou pelo menos acreditou nisso).
Pensou pensou pensou e resolveu ceder (e quem sabe provar a si mesma que era forte?!). Na hora do intervalo, chegou no pé do ouvido da colega de classe (não queria falar alto e gerar inúmeras caras de interrogações e, depois que ela se explicasse, não desejava ver aquelas caras de dó) e lhe disse que entendia a dor dela muito bem.
- "Ah... você perdeu seu pai, querida?", falou Márcia, sempre doce, compreensível. Uma dama até do alto de sua dor.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
(foi esse o espaço do silêncio de Laura, uma quietude semelhante ao que ela sente no coração toda vez que pensa na palavra pai).
.
.
.
.
.
.
.
.
.
E, ao despencar de seu silêncio, Laura se deu conta de que seu luto seria definitivo, mesmo com o pai vivo, respirando por aí em algum canto com uma mulher moderna e siliconada e filhos menos indagadores que ela.
- Não, Marcia. Meu pai ainda tá vivo, mas ele assassinou o pai que ele foi antes. Aí preferiu esconder a culpa pelo crime embaixo de algum tapete da vida e, junto com a culpa, eu também fui empurrada pra fora da vida dele.
E daí que Laura notou que tem feito um luto doído quase que constantemente. Já tentou ressucitá-lo, mas não pense que é simples assim. O morto não quer ressurgir.
Anotou então no caderninho da sua cabeça: "preciso deixar o luto de lado e fazer uma bela cerimônia de enterro". Só assim pra gente guardar apenas o que foi bom.
Fez disso sua oração diária e ficou numa boa (ou pelo menos acreditou nisso).