segunda-feira, 26 de abril de 2010

O amor que brota da livraria

Ela gosta de livrarias mais do que uma criança gosta de algodão doce ou sorvete. Sonha em ser dona de uma, mas daquelas pequeninas, que abriguem livros especiais e seja freqüentada por pessoas que saibam que escolher um livro é uma decisão importante.
A paixão pegou fogo quando era ainda criança. Esperava pelo pai na saída da aula de dança e se abrigou da chuva em um sebo. O lugar era bastante modesto e trazia o cheiro característico de palavras em diversas línguas, papel e tinha velhos. Foi lá que a mágica aconteceu...
Um senhor que estava por lá lhe indicou um exemplar amarelado de Machado de Assis e lhe confidenciou que, se naquela idade, ela conseguisse ler o velho escritor brasileiro em poucos dias e com interesse, sua vida seria permeada por uma paixão febril por livros e nenhum seria suficiente para aplacar isso. O velho era um profeta e aquele livro seria apenas o primeiro.
Depois de Capitu, deu atenção ao Sargento de Milícias, conheceu a Moreninha, freqüentou O Cortiço e foi embora pelo caminho profetizado. Nunca mais deixou de parar em uma loja cheia de livros. Partiu para livros em outras línguas e para autores mais difíceis. Mas nada parecia conseguir segurar a tamanha vontade de ler e ler e ler tudo que fosse possível.
Quando vai a casas de amigos sem-pre passa os dedos pelas lombadas das obras. Quer conhecer todos os títulos possíveis. Como não poderia deixar de ser, ela moraria facilmente em um livraria e chegou a invejar de leve a autora que dormiu por uma semana numa livraria em São Paulo. Pensou em tudo que leria ao invés de pegar no sono se estivesse no lugar dela.
Hoje ela cresceu e trabalha perto de uma livraria toda especial, para onde foge todas as tardes na hora do café. E quando achava que já não tinha como amar ainda mais um lugar com livros dentro, ela participa do seguinte diálogo:


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Ela:

- Eu gosto de livros. Por isso, livrarias são templos para mim. Sou capaz de me demorar uma vida aqui.


Ele:

- Você fica linda em qualquer lugar, mas aqui dentro... fica mais.



Sorriso de orelha a orelha. Um ou dois minutos se passam e ele continua olhando firme para ela. A franja dela não colabora e fica caindo no rosto.



Ela:

- Acho que vou levar esse. Ou aquele? Ou este. Ai, me ajuda?



Ele dá mais um minuto, pensativo.

Ele:

- Mando fechar a porta e compro a livraria pra você. Que tal?



Foi nesse momento que ela se apaixonou por ele. Ela acredita que o clima do local ajudou para isso.

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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Intersecção

no silêncio do infinito
vasculho por mim
gotejo sonho escaldante
em bolhas multicores
arco-íris que morde o próprio rabo.

com a cortina dos olhos fechada
escondo meu olhar
e assisto, nos bastidores,
ao espetáculo da minha errância interior.

dois infinitos redondos se tocam
e eu sou resultado dessa mistura
o lado de dentro
e o de fora

faço um círculo no chão

e corro viver.

do meu amigo que faz poesia para poucos e bons
Rodrigo Fregnan (em Alfabeto de Ventanias).
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