segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

preciso disso

A chuva gritava ao cair na lataria do seu carro, pontuando mais um caos na cidade. E você sabe o quanto de medo eu sinto quando chove doído assim. É uma porção grande de medo – talvez o mesmo que senti quando vi que nos afastávamos. Ainda por cima, a fila do drive-thru não andava e a fome corroía meu estômago quase definitivamente. Restou pontuarmos algumas memórias bonitas, pra ver se meu medo passava e se enganava o vazio no estômago.

Você começou a brincadeira, lembrando-se de quando nos beijamos pela primeira vez, bêbados e sem noção de como a paixão nos tomaria de forma arrebatadora. Eu emendei o jogo, recordando quando você me levou àquela porteira de fazenda, coberta por um céu cheinho de estrelas brilhantes, coisa que não se vê por essas bandas. Namoramos, de mãos dadas a céu aberto, sentindo o cheiro de capim e de amor verdadeiro. Rimos horrores, esquecendo os pingos de chuva forte. De quebra, você sublinhou o dia em que ficamos grudados, assistindo ao meu filme favorito, mas você dormiu porque não gosta de filme “cabeça”.

O sanduiche chegou e deu conta de encerrar nossa conversa.

Você me deixou em casa, driblando poças de água para pegar a rua certa. Você é tão bom nas suas escolhas! E a chuva não dava trégua, parecia minha confusão. Onde foi que deixamos tudo se perder? Como foi que perdemos o caminho de casa?

Eu ensaiei mais um discurso sobre minha falta de atitude para com nosso amor, que está guardado em uma gaveta faz uns meses. E você foi, mais uma vez, muito sensato e disse que só precisava da minha antiga eu. Mas eu tenho que dizer que é aí que mora o problema: já não sei mais quem era essa pessoa que você amava. Serve essa eu confusa e abstrata, desejosa de ser muito feliz, mas sem pulso firme para cavar a felicidade?

Meu fluxo de pensamento foi interrompido por um abraço seu, daqueles perfeitos, sem tirar nem por. Incrível como você sabe a hora certa de cortar meu devaneio e não me cobrar nenhuma resposta! Seus braços me serviram de travesseiro por uns minutos. Um abraço cúmplice, amoroso, de um jeito que só fazemos com quem temos afinidades. O encaixe dos seus braços no meu tronco de um jeito inigualável.

E daí você me olhou com seus olhinhos pequenos, respirou e disse que vai ficar tudo bem. Saí do carro revigorada, com esperança de ser menos confusa no dia de amanhã. E eu quero você sempre perto pra me dizer isso, todos os dias, quando eu precisar.


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

é simples, mas não tem nome.

Laura quer falar de amor, viver de amor, ser amor. Fazer e ganhar cafuné, reservar hotel pra final de semana romântico, deitar no chão pra ver estrelas enquanto uma mão segura sua mão. Quer rir sem saber de quê, gastar calorias preparando comidinhas pra dois, quer o silêncio na hora do Jornal Nacional e do futebol na TV. Ela quer falar bobagem e ter alguém que ria disso, sem hora nem por que. Quer desejo, vontade, exílio em braços alheios, enquanto enrola pra sair da cama no domingo de manhã. Laura quer o imprevisto, a surpresa, o coração disparado, as pernas tremendo, o medo de ser bom, o oxigênio faltando. Quer o clichê de planejar casa, comida e roupa lavada, música cafona, frases bonitas, emails gigantes, barulhinho de mensagens de madrugada. Lágrimas só de felicidade e muitas porções de sorrisos fresquinhos escorrendo pelo canto da boca.

O que ela quer é tão simples. Mas ela não sabe o nome, não sabe por onde começar.

Perdeu o fio da meada...

licença poética

1) - Então você quer teu coração de volta?

2) - Eu quero você.

((Pausa insistente. Dá pra ouvir o coração))

1) - Eu tô aqui...

2) - Você trouxe meu coração?

((Riso contido))

1) - Tenho ele guardado num lugar muito especial.

2) - Que bom! Você tem sido a razão de ele bater tão forte, mesmo que às vezes...

((Silêncio quase insolúvel))

1) - Você não cansa de falar coisas bonitas? Assim você acaba levando o meu com você...

((Lagriminha de canto de olho))

2) - É o que eu venho tentando fazer, pra guardar num lugar muito especial também.

((Palpitação))

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Amor acaba?

Não, que eu saiba.

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

Paulo Leminski

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

mais do mesmo

Vontade de pintar as unhas dos pés de vermelho sem ter vergonha de sair na rua com havaianas. Aprender aquela antiga receita, saber desenhar o que se passa dentro de mim pra não perder litros de saliva tentando me fazer entender. Vontade. Vontade de não mais escolher a fantasia errada, nem colocar máscaras que caem na metade da festa ou a meia fina que rasga só de relar. Vontade de ver as coisas chegando até mim menos doloridas, menos exageradas, com menos distorções. Menos Nelson Rodrigues e novela mexicana. Vontade de não me cansar com a dimensão atual de meu raciocínio, de me desapegar das discussões com que sempre gastei palavras e tempo. Vontade de sambar em paz só eu, a melodia e os batuques de mãos dadas formando roda, de voltar do boteco sem o cheiro de cigarro na roupa e nos cabelos.

domingo, 3 de janeiro de 2010

um passo a frente

Diferente de mim, minha irmã mais velha sempre carregou um punhado de silêncio com ela, falando somente quando é necessário e economizando sentimentos para não correr o risco de exagerar na dose. Mas isso não quer dizer frieza, quer dizer que ela tem um jeito todo único de levar a vida. Por isso, vejo Mirela como uma dama de sensatez, contenção, paciência, segurança. Uma fortaleza que só poucos conhecem.
Poeticamente, Mirela é um esconderijo bonito por fora e pouco conhecido por dentro. Mas a gente não precisa entrar nele pra saber que ele existe e é um todo imponente, de botar respeito. Se fosse um filme, ela seria um suspense; se fosse uma música, seria um samba de batida forte e melancólica; se fosse um perfume, seria um cítrico daqueles que conquistam apenas alguns fãs, mas fãs fiéis.
Somos opostos. Se eu sou choro, ela é fortaleza. Se eu mostro amor e carinho o tempo todo, ela mostra vez ou outra com muita qualidade. Se eu distribuo beijos e abraços, ela só distribui a conta-gotas. Mas tudo é negociável. Quando a vontade de chorar é grande, por exemplo, nos procuramos para nos ajudarmos a desfazer os nós na garganta e desatar os qüiproquós que a vida insiste em dar de lição pra gente.
Às vésperas de eu existir, ela dava seus primeiros passos pela casa. Era como se estivesse preparando os caminhos por onde eu mesma passaria assim que minhas pernas andassem por si só. Hoje, eu e ela andamos por caminhos um tanto quando diferentes, mas nossos corações estão costurados por linhas permanentes e invisíveis – linhas de bem querer, carinho, amor eterno, fraternidade.
Ela é tão especial que, não à toa, seu nome virou poesia... A primeira poesia da qual eu gostei.


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Mirela

Você que era tão esperada,
Causou surpresa quando apareceu.
Grandes sucumbiram da bela chegada.
Transmite a paz em seu jeito e olhar
Fita-nos com passividade e parece
que nos quer a todo momento.
Para dois, você é o monumento que surgiu
Não é uma noite de amor, porque você é o próprio amor.
Você veio para ficar
Apesar de dura a vida é bela,
Seja bem-vinda, nossa Mirela.

de Valter L. Ferreira em 28/01/1984 (que ironia, não?!)

Nossa Mirela