quarta-feira, 29 de outubro de 2008

o que virá

Ontem, nadando no meu mar de dores intensas de coração, fechei meus olhos e só conseguia enxergar uma coisa na escuridão que fica dentro da pálpebra quando a gente chora sem parar: uma série de imagens. Um filminho mesmo: a risada com amigas na escolinha, o choro por causa do atraso da mãe no portão, o dia das crianças em que acordei sem meus pais por perto, as brigas com as irmãs para saber quem era a filha preferida, a vez que meu pai me pegou beijando um menino (que vergonha!) na festinha da igreja, o primeiro jogo do Tubarão no Estádio do Café, o apelido de "Potência" porque eu era uma gordinha que pesava 89 arrobas (pelo menos), o sorvete liberado na praia, a viagem pra casa da bisavó ouvindo mil vezes a mesma música, a ida ao trem-fantasma no Beto Carrero, as minhas boas notas em português e o recorde de livros lidos aos 6 anos. Coisas, coisinhas. Isso que chamo de "minha vida".
Tentava, ainda com os olhos fechados e o coração sangrando na garganta, achar o fiapo de esperança que perdi por aí, em algum lugar do caminho. Esperança de ver tudo dar certo e de descobrir que a vida nem é tão dura assim, na verdade. Que tudo vai ficar bem. E que eu vou chegar em casa e vai estar tudo lá, como era aos 6 anos de idade e eu ainda pegava no braço da mãe pra atravessar a rua. Tentava, talvez, encontrar uma razão não-idiota ou um errinho que pudesse me fazer entender a coisa toda. Não deu.
Duas neosaldinas e milhões de pensamentos depois, eu ainda tentava dar uma dimensão mais normal e menos bizarra pra toda essa história. Não consegui, é claro. Com a ajuda de amigos que, "complacentes", são meus docinhos de coco e apostaram em ótimas piadas pra assoprar minha dor.

Um dia, ainda vou conseguir parar de rolar na cama à noite, assaltar o telefone e ligar pra pessoa certa e falar as palavras certas. Mas calma. Por enquanto, chega de drama, de dor.


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"Uh... Se a gente já não sabe mais

rir um do outro meu bem então
o que resta é chorar e talvez,
se tem que durar,
vem renascido o amor
bento de lágrimas.
Um século, três,
se as vidas atrás
são parte de nós.
E como será?
O vento vai dizer
lento o que virá,
e se chover demais,
a gente vai saber,
claro de um trovão,
se alguém depois
sorrir em paz".

Amarante.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Vontade de tirar a barriga da miséria, de comer muitos limões sem fazer careta, atravessar a Paulista sem olhar pros lados, pegar o sol pela mão e sair passeando com ele à beira-mar. Vontade de conversar com deus e perguntar pra ele, de preferência tomando um chope geladíssimo, quem vai ser o campeão brasileiro este ano. Vontade maluca de engolir todos os filmes e ler todos os livros que tenho pendentes na minha lista. Vontade de contar a quantidade de sardas que a irmã mais nova tem no rosto, dançar sozinha enquanto espero o metrô, fazer aquelas tatuagens que planejei há séculos. Vontade de tirar as notas musicais do meu bolso para, enfim, aprender a tocar a sanfona do avô. Vontade de jogar luz nas lembranças mais lindas pra eternizá-las aqui na cabeça, transformar a segunda em sábado e a terça em domingo, e assim por diante. Trazer Londrina mais pra perto de São Paulo, a rua Dona Leopoldina mais perto da Capote Valente. Vontade. Meu coração e o delas. Vontade de pintar as unhas dos pés de vermelho sem ter vergonha de sair na rua com havaianas. Aprender aquela antiga receita, saber desenhar o que se passa dentro de mim pra não perder litros de saliva tentando me fazer entender. Vontade. Vontade de não mais escolher a fantasia errada, nem colocar máscaras que caem na metade da festa ou a meia fina que rasga só de relar. Vontade de ver as coisas chegando até mim menos doloridas, menos exageradas, com menos distorções familiares. Menos Nelson Rodrigues e novela mexicana. Vontade de não me cansar com a dimensão atual de meu raciocínio, de me desapegar das discussões com que sempre gastei palavras e tempo. Vontade de sambar em paz só eu, a melodia e os batuques de mãos dadas formando roda, de voltar do boteco sem o cheiro de cigarro na roupa e nos cabelos. Vontade de rancar as amigdalas com as mãos sem dor ou anestesia, e aproveitar pra tirar essa pedra que engoli quando ele foi embora no dia do meu aniversário sem olhar pra minha cara. Vontade de transformar o medo das coisas em uma paixão daquelas que escorre entre os dedos. Não ver as rugas da mãe aparecendo, as irmãs cometendo erros que já sei que vão doer, a afilhada crescendo e se desinteressando pelos livros infatis que levo pra ela toda vez.
Vontade, vontade, vontade. Sim, hoje é o meu dia mundial da vontade... de ser mais feliz.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

?

"Como faz pra dizer que não?
Como se disfarça a intenção?
O que fazer com a obrigação?
Como faz pra te conhecer?
Como faz para te esquecer?
Como faz para amar você?
Você."


Ana, a Cañas.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Dona Nena

As centenas de sardas em seu rosto tentavam esconder parte dos anos vividos à base de muito trabalho, suor e sofrimento. As mãos, grandes como os ossos dos braços, denotavam que tinha nascido pra ser mulher, mãe, avó e bisavó, mulher. Era muito vaidosa e não podia ficar de fora das fotos importantes da família: primeira comunhão, crisma, aniversário de todos os netos.

Todo dia de descanso, às 6h, eu acordava pra acompanhá-la na maior feira da cidade, lá perto do cemitério. Pelo sacrifício, eu ganhava um pastel de queijo e um todinho, mas só depois de passar nas barracas de bananas, legumes, verduras e café moído na hora. é claro. Sempre. Seu amor pelas feiras de domingo passou pra mim, inclusive.

Ela fazia o melhor macarrão do mundo. O molho encorpado, a massa fresquinha, os tomates suculentos. O frango assado não ficava atrás. A combinação era iguaria dos deuses e deixava no chinelo qualquer chef famoso. Sem esquecer que eu era chamada com urgência todas as vezes que ela fazia cural. "Você pode passar aqui que eu fiz pra você?". Lambuzava os dedos e ainda levava mais pra casa no potinho esmaltado com desenhos de flores.

Hoje, sonhei com ela. Como no ano passado, nessa mesma época. Comentei na mesa de café e a prima lembrou: hoje. Hoje faz dois anos. Dois anos sem ela, sem o macarrão com tomates gigantes, sem o sítio e sem o cural (que não encontro mais). Isso me lembra também que, sem ela, a vida familiar desandou. Alguns filhos brigam, os netos se afastaram (com algumas exceções), o filho preferido já não é mais o mesmo, assim como a festa de Natal em família. Na antiga casa com quintal imenso só se ouve o barulho do vento batendo na goiabeira de goiabas brancas lá no fundo.

Restam, claro, as feiras livres, que tento visitar aos domingos pra encher as fruteiras lá de casa.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Livro escrito com bile

Mais uma vez, decidi ler um livro não pelo que ouvi falar sobre ele, mas sim pela sua aparência. Tenho essa mania. (às vezes não funciona). Só que desta vez, me peguei babando pelo título da obra. Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Não soa bem?

Com todas as letras, caí de quatro pelo livro de Marçal Aquino; um livro que não li, devorei. (Primeiro porque eu buscava uma inspiração há tempos perdida. Uma paixão. Um algo em que se agarrar e pelo o que valesse a pena perder horas de sono. Segundo, porque o livro traz segredos importantes. Um deles, que aproveito pra contar, é que na loucura dos amores contrariados não há espaço nenhum para a razão, apenas para mais loucura).

Cauby (como o cantor), um fotógrafo quarentão, vive para clicar putas decadentes da cidadezinha garimpeira. Leva uma vida comum, tentando “transformar o banal em épico”. E o épico aparece com o nome de Lavínia, mulher casada, deliciosamente sensual e alterada. O amor que vem do sexo, sexualmente transmissível, e das sessões particulares de fotografia. Cauby encontra sua musa e fotografa cada um de seus poros. "Uma imagem preciosa. Daquelas que justificam guardar o negativo num cofre de banco". Mas aí vem a realidade, a razão, o tatu de estimação, a vida, o vizinho dele, o passado e o marido dela, o moralismo da cidadezinha...

A grande desgraça é que as lembranças não bastam para confortar os amantes. Ao contrário: servem só para cutucar as chagas daqueles que foram “condenados à lepra do amor não correspondido”. E, por isso, a natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína. E... a tragédia chega sem ser notada e nos conduz para um abismo de ambigüidades - quando já se está envolvido o suficiente para morrer de amores pelos personagens. Um livro escrito com bile. A bile de Marçal, a de Cauby, Lavínia, a minha. Diante da ameaça de chegar à ultima página, fiquei atordoada.

Vi minha aflição diminuir quando ouvi dizer que a história vai virar filme. Espero que seja tão convincente quanto o livro! Mesmo! Consigo até visualizar o ator Chico Dias no papel do fotógrafo decadente e, talvez, Alice Braga ou Dira Paes brigando para ver quem consegue arrancar a melhor Lavinia do seu sangue de atriz.

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"(...) O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdôo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente de que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta".

Cauby e sua declaração de amor.
"Abre os teus armários, eu estou a te esperar
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar
E fazer do teu sorriso um abrigo

Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais

Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão
Nessa espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela, a primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota"

Camelo.





...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Queria elaborar outro jeito de dizer que não parecesse tão desesperado. Queria, como nunca, despir as palavras, deixá-las distantes do passado. Queria reencontrar o que se perdeu. Queria rasgar o peito pra liberar a saudade que machucava. Queria não mais encher a cara com lágrimas. Queria, de preferência, não soar retardada.

Mas insistia a frase pronta, reiterava-se o clichê. Suspirou. Não seria possível. Ele não acreditaria.

E desistiu.
Permanece o segredo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Deixando pra lá

"Enquanto eu fujo você inventou
Qualquer desculpa pra gente ficar
E assim a gente não sai
Esse sofá ta bom demais
deixa o verão pra mais tarde"

Amarante.

Gambiarras

Descobri algumas coisas em Brasília:
1) os táxis não param na rua quando a gente chama lá
2) o sol parece o centro de um forno muito quente
3) a paixão do homem pelas siglas e abreviaturas pode tomar proporções desnecessárias
4) o ceú pode ser bem azul que nem algodão doce gigante
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Além disso, ao dar um pulo no Museu Nacional, para a II Bienal de Design, fiquei supresa com as coisas que os caras chamam de design. Tinha até um trator mostrando o que pode ser "moderno e inventivo".
Não entendo nada do assunto, claro, mas uma coisa me chamou atenção: a exposição "Gambiarras" (2007), de Cao Guimarães. Tem algumas fotos aí, mas quem quiser gastar uns minutinhos pra ver mais é só clicar aqui.
(Repare como as pessoas buscam formas de reinventar suas próprias invenções).







trechos

Dia de faxina na alma.
Sacudiu os pensamentos. Retirou a poeira encravada nos cantos da imaginação. Levantou os tapetes da emoção para limpar até o último ácaro sujo. Tirou o pó de perto de seus sonhos, para que estes não envelhecessem. Chacoalhou os quatro cantos de sua libido para reforçar o amor e a paixão pelo seu próprio corpo. Jogou com as duas mãos um punhado de alvejante em seu passado - queria separá-lo em um canto da memória para não tropeçar mais nele. Estendeu no velho varal todas as lembranças empoeiradas que gostava de ter – casinhas de bonecas, brincadeiras de criança, cheirinho do travesseiro e namoro no portão. Aproveitou para lustrar suas eternas verdades... fazia tempo que não as revia de tão perto. Com a limpeza, veio a essência. Mesmo branco, seu espírito tinha agora cores de borboletas em dias de primavera e foi além – cheirava a tulipas fora de estação. Renovou-se. Agora, leve, pretende seguir em frente.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

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"É preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal".

Nelson, o Rodrigues.

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Pra você: remexer as mágoas hoje me fez bem.
Pra Carolinda: a madrinha viu um livro que é sua cara!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Falta de visão

Assistir ao Ensaio sobre a cegueira me deu uma puta dor de estômago. No final do filme, era como se eu tivesse levado uma pancada e fiquei inerte por alguns instantes.
Claro, não é fácil ver até onde o ser humano pode ir pra conseguir sobreviver no caos. Mas, era necessário. A dor de estômago, as cenas de estupro, as facadas, o sangue, a sujeira nas ruas, pessoas atirando em pessoas, o caos. Era tudo necessário e indispensável mesmo.

O que NÃO era necessário? Isso:

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"O filme retrata cegos como monstros, e vejo isso como uma mentira", disse Maurer, presidente da Federação Nacional de Cegos, sediada em Baltimore, nos Estados Unidos. "A cegueira não transforma pessoas decentes em monstros."

(...)

De acordo com a entidade, o filme reforça estereótipos incorretos, incluindo o de que cegos não podem tomar conta de si próprios e ficam para sempre desorientados. "Nós enfrentamos uma taxa de 70% de desemprego e outros problemas sociais porque as pessoas não acham que a gente possa fazer nada. E esse filme não ajuda em nada", afirma Christopher Danielsen, porta-voz da organização.

(...)

"Acho que a falta de compreensão entre todos é um problema significativo", disse. "E acho que associar isso à cegueira é incorreto."


Matéria inteira? AQUI. (Risível...)

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Oi, eles nem viram o filme?